São Paulo, sábado, 23 de junho de 2007

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Vai pro cânone?

Críticos e teatrólogos ouvidos pela Folha analisam o valor literário e o universo temático das crônicas do dramaturgo pernambucano Nelson Rodrigues

Para o cineasta Arnaldo Jabor, prosa do autor é mais profunda do que se pensa; o crítico Sábato Magaldi diz que temática é universal

DA REPORTAGEM LOCAL

O valor da obra de Nelson Rodrigues no teatro é ponto pacífico. O ensaísta Sábato Magaldi diz não ter a menor dúvida de que a maioria da crítica e dos espectadores considera o pernambucano radicado no Rio "o maior dramaturgo da nossa história". Para ele, foi com a peça "Vestido de Noiva", montada em 1943, no Teatro Municipal do Rio, que o escritor começou a realizar "a verdadeira modernização do nosso palco". Nela, três planos de narrativa se intercalavam (alucinação, realidade e memória) para contar a história de Alaíde, atropelada no início da trama.
Na crônica e no romance, a história foi outra até os anos 80. Para o autor da biografia "O Anjo Pornográfico", Ruy Castro, um dos principais empecilhos ao reconhecimento do valor da prosa de Nelson "era o fato de ele estar vivo, presente diariamente na imprensa e na televisão, provocando e polemizando com todo mundo".
Segundo o cineasta Arnaldo Jabor, que adaptou obras como "Toda Nudez Será Castigada", a crônica de Nelson é mais profunda do que as pessoas imaginam. "Gilberto Freyre dizia que eram melhores do que as de Eça de Queirós. O retrato que fazia da classe média era muito profundo." Jabor considera que Nelson não se enquadra no cânone crítico, como Graciliano ou Guimarães. "Ele é inclassificável, não trabalhava dentro do cânone ocidental."
O elogio ao cronista não é unânime. "Ele traz o embrião do dramaturgo", diz o diretor do grupo Tapa, Eduardo Tolentino. "Só que é mais fotográfico, da piada e repetitivo, por conta da sua produção diária. O dramaturgo tem outra dimensão, que busca representar o brasileiro e analisar o ser humano na sua condição pífia."
Para Barbara Heliodora, veterana crítica de teatro que abrirá as homenagens a Nelson na Flip, falando de sua relação com o Rio, tanto o cronista como o dramaturgo permanecem fortes. "As crônicas continuam muito vivas, mas as peças mais realistas, as chamadas tragédias cariocas, sobreviveram melhor. Passados 50 anos de lançada uma peça é que o autor tem seu grande teste. É quando ele é esquecido ou não".
Seria o caso de "O Vestido de Noiva". "Suas peças aceitam versões diferentes. Elas podem ter mais de uma interpretação correta porque o texto é rico."
Heliodora atribui a originalidade e riqueza dos diálogos teatrais do dramaturgo ao "ouvido de repórter" que ele tinha. "Por exemplo, ele usa gírias e expressões populares de época. Além disso, tem as famosas frases inacabadas. Comum às pessoas que têm intimidade, e muitas vezes dizem uma coisa pelo meio, porque a outra já sabe como acaba", completa.

Universo das crônicas
Também participante da Flip, o dramaturgo Mário Bortolotto acha que o teatro de Nelson já "não pega mais". "Essa coisa das taras familiares já não espanta como antigamente. Na época chocava, hoje causa riso." Bortolotto prefere as crônicas. "São muito poéticas, muito vivas. Gosto especialmente das de futebol. Seria bacana saber sobre o que ele gostaria de escrever hoje."
Nas crônicas, Nelson abordou política, arte, costumes, além de seu time do coração, o Fluminense, e do "escrete" -a seleção brasileira. Sua mirada sobre o futebol estendia-se para a essência do brasileiro.
Para Sábato Magaldi, a temática do autor, mesmo aparentando ser local, é universal. Ele diz que a classe média suburbana carioca, universo do dramaturgo e do cronista, permite uma compreensão privilegiada do ser humano em toda parte.
"Nelson, como revela toda a sua obra, tinha uma extraordinária sensibilidade para compreender todos os problemas humanos. Eles são mais visíveis na vida suburbana, que dispensa a aparência às vezes falsa das classes privilegiadas", diz o crítico. (EDUARDO SIMÕES, RAFAEL CARIELLO e SYLVIA COLOMBO)


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