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Vai pro cânone?
Críticos e teatrólogos ouvidos pela Folha analisam o valor literário e o universo temático das crônicas do dramaturgo pernambucano Nelson Rodrigues
Para o cineasta Arnaldo Jabor, prosa do autor é mais profunda do que se pensa; o crítico Sábato Magaldi diz que temática é universal
DA REPORTAGEM LOCAL
O valor da obra de Nelson
Rodrigues no teatro é ponto pacífico. O ensaísta Sábato Magaldi diz não ter a menor dúvida de que a maioria da crítica e
dos espectadores considera o
pernambucano radicado no
Rio "o maior dramaturgo da
nossa história". Para ele, foi
com a peça "Vestido de Noiva",
montada em 1943, no Teatro
Municipal do Rio, que o escritor começou a realizar "a verdadeira modernização do nosso palco". Nela, três planos de
narrativa se intercalavam (alucinação, realidade e memória)
para contar a história de Alaíde,
atropelada no início da trama.
Na crônica e no romance, a
história foi outra até os anos 80.
Para o autor da biografia "O
Anjo Pornográfico", Ruy Castro, um dos principais empecilhos ao reconhecimento do valor da prosa de Nelson "era o fato de ele estar vivo, presente
diariamente na imprensa e na
televisão, provocando e polemizando com todo mundo".
Segundo o cineasta Arnaldo
Jabor, que adaptou obras como
"Toda Nudez Será Castigada", a
crônica de Nelson é mais profunda do que as pessoas imaginam. "Gilberto Freyre dizia
que eram melhores do que as
de Eça de Queirós. O retrato
que fazia da classe média era
muito profundo." Jabor considera que Nelson não se enquadra no cânone crítico, como
Graciliano ou Guimarães. "Ele
é inclassificável, não trabalhava
dentro do cânone ocidental."
O elogio ao cronista não é
unânime. "Ele traz o embrião
do dramaturgo", diz o diretor
do grupo Tapa, Eduardo Tolentino. "Só que é mais fotográfico,
da piada e repetitivo, por conta
da sua produção diária. O dramaturgo tem outra dimensão,
que busca representar o brasileiro e analisar o ser humano na
sua condição pífia."
Para Barbara Heliodora, veterana crítica de teatro que
abrirá as homenagens a Nelson
na Flip, falando de sua relação
com o Rio, tanto o cronista como o dramaturgo permanecem
fortes. "As crônicas continuam
muito vivas, mas as peças mais
realistas, as chamadas tragédias cariocas, sobreviveram
melhor. Passados 50 anos de
lançada uma peça é que o autor
tem seu grande teste. É quando
ele é esquecido ou não".
Seria o caso de "O Vestido de
Noiva". "Suas peças aceitam
versões diferentes. Elas podem
ter mais de uma interpretação
correta porque o texto é rico."
Heliodora atribui a originalidade e riqueza dos diálogos teatrais do dramaturgo ao "ouvido
de repórter" que ele tinha. "Por
exemplo, ele usa gírias e expressões populares de época.
Além disso, tem as famosas frases inacabadas. Comum às pessoas que têm intimidade, e
muitas vezes dizem uma coisa
pelo meio, porque a outra já sabe como acaba", completa.
Universo das crônicas
Também participante da
Flip, o dramaturgo Mário Bortolotto acha que o teatro de
Nelson já "não pega mais". "Essa coisa das taras familiares já
não espanta como antigamente. Na época chocava, hoje causa riso." Bortolotto prefere as
crônicas. "São muito poéticas,
muito vivas. Gosto especialmente das de futebol. Seria bacana saber sobre o que ele gostaria de escrever hoje."
Nas crônicas, Nelson abordou política, arte, costumes,
além de seu time do coração, o
Fluminense, e do "escrete" -a
seleção brasileira. Sua mirada
sobre o futebol estendia-se para a essência do brasileiro.
Para Sábato Magaldi, a temática do autor, mesmo aparentando ser local, é universal. Ele
diz que a classe média suburbana carioca, universo do dramaturgo e do cronista, permite
uma compreensão privilegiada
do ser humano em toda parte.
"Nelson, como revela toda a sua
obra, tinha uma extraordinária
sensibilidade para compreender todos os problemas humanos. Eles são mais visíveis na vida suburbana, que dispensa a
aparência às vezes falsa das
classes privilegiadas", diz o crítico.
(EDUARDO SIMÕES, RAFAEL CARIELLO e SYLVIA COLOMBO)
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