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Crítica/erudito
"Romeu e Julieta" de Berlioz causa estranhamento e encanto
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Nem todo grande compositor é grande para
todos e para sempre. A
sensibilidade muda; a inteligência muda; e a compreensão
da música também.
Hector Berlioz (1803-69) é
um bom exemplo disso: estranho no seu próprio tempo, tem
sido periodicamente reavaliado, segundo critérios que mudam também.
E continua estranho, como
se ouviu na última quinta-feira
na Sala São Paulo, com a Osesp
interpretando a sinfonia dramática "Romeu e Julieta", regida por Yoram David.
Para nosso gosto, hoje a própria mistura de sinfonia instrumental com narrativa dramática já soa incomum, até incômoda. Tanto mais com as indicações de cena, pairando sobre a
música como legendas de filme
mudo.
Soa esdrúxula, agora, a combinação de árias (uma no começo, outra no fim), seções corais
(espalhadas ao longo dos 90
minutos da peça) e música descritiva sem palavras, num gênero híbrido.
Mas foi justamente essa hibridez que definiu certo estilo
"literário" da música do século
19. A aproximação entre literatura e música, e o entendimento de que a música também
pertence ao reino das idéias foram mudanças cruciais naquele período; e precisam ser levadas em conta não só quando se
escuta um "Romeu e Julieta"
mas tantas outras obras, como
o "Lobgesang" de Mendelssohn
ou "Rinaldo" de Brahms. É a romântica "religião da arte", também uma "religião da educação", oposta à cultura do entretenimento.
Frustração
Com tudo isso, não fica fácil
apreciar espontaneamente as
virtudes dessa sinfonia. A platéia decerto ficou frustrada
com as breves aparições da
meio-soprano americana Michelle DeYoung e do baixo alemão Matthias Hölle, duas grandes vozes do cenário internacional, para cantar suas respectivas partes. E é frustrante
mesmo ter alguém como DeYoung -que gravou Berlioz regida por Colin Davis, canta Mahler com Boulez e Wagner com Barenboim- e não programar
mais música com ela.
Onde o estranho produz encantamento, que qualquer um
pode espontaneamente ouvir, é
na orquestração. Os mesmos
acordes graves de metais e sopros que soavam mágicos para
Wagner continuam sendo mágicos; não menos do que as delicadezas (glockenspiel e harpa)
e as veladuras (cordas na "Cena
de Amor").
Regida pelo maestro israelense -a essa altura, quase um
"regente convidado" da orquestra-, a Osesp tocou com
fluência, mais do que inspiração. Teve muitos momentos de
brilho e vários belos solos (o
oboísta Arcádio Minczuk, o clarinetista Sérgio Burgani, a harpista Liuba Klevtsova). Mas
Berlioz segue sendo estranhamente distante, tanto quanto
estranhamente próximo; e essa
música pede um esforço mais-que-humano para acordar nossa sensibilidade.
ROMEU E JULIETA
Quando: hoje, às 16h30; seg., às, 21h
Onde: Sala São Paulo (pça. Julio
Prestes, s/no, tel. 0/xx/11/3223-3966)
Quanto: de R$ 25 a R$ 89
Avaliação: bom
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