São Paulo, sábado, 23 de junho de 2007

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Crítica/erudito

"Romeu e Julieta" de Berlioz causa estranhamento e encanto

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Nem todo grande compositor é grande para todos e para sempre. A sensibilidade muda; a inteligência muda; e a compreensão da música também. Hector Berlioz (1803-69) é um bom exemplo disso: estranho no seu próprio tempo, tem sido periodicamente reavaliado, segundo critérios que mudam também.
E continua estranho, como se ouviu na última quinta-feira na Sala São Paulo, com a Osesp interpretando a sinfonia dramática "Romeu e Julieta", regida por Yoram David.
Para nosso gosto, hoje a própria mistura de sinfonia instrumental com narrativa dramática já soa incomum, até incômoda. Tanto mais com as indicações de cena, pairando sobre a música como legendas de filme mudo.
Soa esdrúxula, agora, a combinação de árias (uma no começo, outra no fim), seções corais (espalhadas ao longo dos 90 minutos da peça) e música descritiva sem palavras, num gênero híbrido.
Mas foi justamente essa hibridez que definiu certo estilo "literário" da música do século 19. A aproximação entre literatura e música, e o entendimento de que a música também pertence ao reino das idéias foram mudanças cruciais naquele período; e precisam ser levadas em conta não só quando se escuta um "Romeu e Julieta" mas tantas outras obras, como o "Lobgesang" de Mendelssohn ou "Rinaldo" de Brahms. É a romântica "religião da arte", também uma "religião da educação", oposta à cultura do entretenimento.

Frustração
Com tudo isso, não fica fácil apreciar espontaneamente as virtudes dessa sinfonia. A platéia decerto ficou frustrada com as breves aparições da meio-soprano americana Michelle DeYoung e do baixo alemão Matthias Hölle, duas grandes vozes do cenário internacional, para cantar suas respectivas partes. E é frustrante mesmo ter alguém como DeYoung -que gravou Berlioz regida por Colin Davis, canta Mahler com Boulez e Wagner com Barenboim- e não programar mais música com ela.
Onde o estranho produz encantamento, que qualquer um pode espontaneamente ouvir, é na orquestração. Os mesmos acordes graves de metais e sopros que soavam mágicos para Wagner continuam sendo mágicos; não menos do que as delicadezas (glockenspiel e harpa) e as veladuras (cordas na "Cena de Amor").
Regida pelo maestro israelense -a essa altura, quase um "regente convidado" da orquestra-, a Osesp tocou com fluência, mais do que inspiração. Teve muitos momentos de brilho e vários belos solos (o oboísta Arcádio Minczuk, o clarinetista Sérgio Burgani, a harpista Liuba Klevtsova). Mas Berlioz segue sendo estranhamente distante, tanto quanto estranhamente próximo; e essa música pede um esforço mais-que-humano para acordar nossa sensibilidade.


ROMEU E JULIETA
Quando:
hoje, às 16h30; seg., às, 21h
Onde: Sala São Paulo (pça. Julio Prestes, s/no, tel. 0/xx/11/3223-3966)
Quanto: de R$ 25 a R$ 89
Avaliação: bom


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