São Paulo, terça-feira, 23 de julho de 2002

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ANÁLISE

Propostas são medidas da crise, não soluções

DA REPORTAGEM LOCAL

Embora se vendam como projetos de busca de soluções para a crise em que a música brasileira se encontra, iniciativas díspares como o Prêmio Visa e o programa "Fama" são, muito mais, índices do que pode ser uma fase final do problema.
Ambos buscam formatos novos para o clássico caça-talentos, que teve auge no Brasil na era dos festivais sessentistas, como o Prêmio Visa fez questão de trombetear na final de sua quinta edição, na sexta-feira. O "Fama" recupera o repertório datado dos festivais para seus calouros interpretarem.
A própria comparação ameaça arruinar a iniciativa vital do Visa. Quando o apresentador Nelson Motta sonhou em voz alta com o dia em que a noite de sexta virará história e mito, a vontade era sentar e chorar. Porque o que se ouvia, ao redor disso, era um festival de conservadorismo, de insistência em padrões musicais que já passaram de realidade a mito.
Havia um bom intérprete em competição. Não por acaso foi o vencedor. O paulista Renato Braz, 34, no entanto, é músico estabelecido, com três CDs lançados e excelência artística comprovada. O grande mercado é que, parece, nunca ouviu falar dele, mas isso é problema do mercado.
Braz faz parte de um fenômeno que torna o Prêmio Visa mais termômetro de problema que de solução. A idade dos concorrentes oscilou por volta dos 35 anos, fazendo deles retardatários na geração musical dos 90, quase toda feita de músicos que demoraram cerca de 15 anos para chegar ao tal mercadão.
É inacreditável que entre os quase 2.000 inscritos ao prêmio não houvesse centenas de jovens, artistas com propostas inovadoras, músicos indispostos à cópia. O Visa sabe disso, pois revelou, no ano passado, Yamandu Costa.
O "Fama" acrescenta veneno ao problema ao demonstrar que não é questão de idade a ineficácia do projeto de caça global aos talentos. Quase todos os concorrentes são muito, muito jovens. Mas, expostos a um repertório que liquidifica Taiguara (o antigo, não o da "Casa dos Artistas") com Sandy & Junior, só fazem exibir as fraquezas de formação dos novos brasileiros. Vanessa Jackson, 20, vencedora sem foco ou direção, encarna bem o equívoco.
O esforço recuperador cai por terra diante do propósito atrás da história toda: derrubar a audiência de Raul Gil. Assim, seja cantando isso ou aquilo, os calouros do "Fama" só fazem parodiar o cacoete pela gemedeira rhythm'n'blues disseminado por Raul Gil. No "Popstars", do SBT, a ignorância interpretativa chega ao show de horrores.
Tomando os "reality shows" como padrão, os dois programas de TV adotam a derrota como parâmetro -quem ganha e fica é o menos eliminável, o menos ruim. Os outros estão descartados. Como no Visa, tão mais nobre e tão mais "música de qualidade" que seus pares do mundo cão.
Há uma procura em tudo isso? Dizem que há. Yamandu Costa é prova, talvez alguns dos calouros da TV no futuro venham a ser. Mas é preciso foco e coragem para parar de olhar para trás, começar a olhar para a frente e aplicar um esperado xeque-mate nessa tal crise do inferno.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


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