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DVD/LANÇAMENTOS
"OS TESOUROS PERDIDOS DE ORSON WELLES"
Pacote, que inclui "Falstaff", recupera espírito wellesiano
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Mais do que filmes inacabados e subestimados, "Os
Tesouros Perdidos de Orson Welles", pacote em DVD que acaba
de chegar às locadoras, recupera a
essência, também ela perdida e
subestimada, do espírito wellesiano. Esses "tesouros perdidos" são
pistas fundamentais para aqueles
que ainda teimam em aplicar ao
próprio Welles uma pergunta recorrente em seus filmes mais célebres: afinal, quem foi mesmo este
homem?
"Não os condeno no meu coração, apenas no meu espírito", dizia Welles sobre os personagens
que o consagraram como ator e
diretor, tipos faustianos, arrivistas
ególatras embriagados pelo poder, canalhas bem ou malsucedidos. Welles não deixava de lhes
dedicar toda a sua generosidade
criativa.
Primeiro porque, como ator,
simpatizava com o que havia de
demasiado humano nesses personagens. Depois porque, como autor, dava maior valor aos afetos
do que aos juízos. Em espírito, no
entanto, Welles esteve sempre
mais próximo da bonomia de
Falstaff e Dom Quixote, personagens literários clássicos que inspiram duas das obras recuperadas
pelo pacote da Continental.
Em "Falstaff" (1965), Welles
costura cinco peças de Shakespeare em busca da essência de seu
personagem predileto. O mais subestimado personagem de toda a
literatura ocidental, segundo Harold Bloom, o crítico canônico.
Para Welles, o mais bondoso.
Sábio da consciência humana,
espécie de artista de si mesmo, sir
John Falstaff reúne tudo aquilo
que Welles mais amava em Shakespeare: a força metamórfica de
seus personagens, a capacidade
de, por uma constante mutação,
emprestar nova potência à vida.
"Falstaff", filmado na Espanha
por Welles com parcos recursos e
uma saúde abalada, foi uma produção complicada, mas nada que
se comparasse a "Dom Quixote".
Bancado pelo próprio Welles e
filmado, entre o México e a Espanha, de 1955 a 1971, por sete diretores de fotografia diferentes e
sem som direto, "Dom Quixote"
foi, por sete anos apenas, a mais
célebre das obras inacabadas de
Welles: entre 1985, ano da morte
de Welles, e 1992, ano do lançamento desta versão montada pelo
assistente do diretor, Jess Franco.
Versão que não depõe contra
Welles, mas contra Franco. Ao irregular, mas rico material deixado por Welles, Franco acrescentou algumas imagens suas, feitas
em vídeo, montando tudo sem o
menor rigor. Sua montagem está
longe de potencializar o ritmo típico da mise-en-scène de Welles,
precipitado e descentrado.
A falta de ritmo prejudica especialmente o lado cômico do filme,
comprometendo, em definitivo, a
bela atuação de Akim Tamiroff
como Sancho Pança.
Restam momentos magistrais
em que Welles dubla ao mesmo
tempo o Sancho de Tamiroff e o
Quixote do ator mexicano Francisco Reiguera. Depois da morte
de Reiguera (em 1969), Welles
ainda filmou com Tamiroff, na
Espanha, um belo material. No lugar do mito de Quixote, entra em
cena, desta vez, o mito do próprio
Welles, essa espécie de celebridade auto-irônica em que se converteu (a mesma da série "Volta ao
Mundo com Orson Welles", outra
atração do pacote).
Welles surge em cena para confrontar Quixote e sua estranha
bondade com o faustiano mundo
moderno, começando por ironizar sua própria pose de gênio na
TV. "Quixote não era um lunático, mas um autêntico cavalheiro",
nos diz ele, nostálgico, quem diria, dos tempos de uma verdadeira nobreza, sempre às voltas com
os fantasmas de Shakespeare,
Cervantes e Montaigne.
Os Tesouros Perdidos de Orson Welles
Lançamento: Continental
Quanto: R$ 70, em média
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