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CRÍTICA
Osesp faz rever a música de Villa-Lobos
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Glauber Rocha será para
sempre o dono moral do segundo movimento das "Bachianas Brasileiras" nš 2, desde que empregou o inesquecível tema e a
poderosa massa de acordes na
abertura e no fim de seu filme
"Deus e o Diabo na Terra do Sol"
(1964). A incongruência dos elementos -uma terra tão seca
inundada pelo mar de música-,
assim como a relativa incompatibilidade de gênios -em que pesem as contradições de um e outro-, só reforça a afinidade profunda de uma visão que descobre
o Brasil de dentro para fora, como
se afinal fosse possível enxergar e
escutar o que se é.
Mas esse afinal ganha outra
contundência agora, com o lançamento das "Bachianas" nšs 2, 3 e
4, tocadas pela Osesp, sob a regência de Roberto Minczuk. Assim
como nos casos de Camargo
Guarnieri e Francisco Mignone, já
gravados pela orquestra, com
sentido menos de simples recuperação do que de reinvenção mesmo, também Villa-Lobos (1887-1959) recebe aqui uma tradução
que nos obriga a rever o quanto
não se sabia que não se sabia sobre sua música.
Um clichê repetido há décadas
decreta que o compositor nunca
teve virtudes de orquestrador capazes de fazer justiça à sua invenção fabulosa. Mas quando se tem
uma versão como essa as coisas
mudam de figura: Villa-Lobos
ressurge surpreendentemente como um dos grandes mestres da
orquestração no século 20.
Pode-se pensar em três motivos
para que isso não fosse de conhecimento universal: 1) as orquestras não eram capazes de tocar essa música em seus necessários
termos; 2) o próprio compositor
não era o melhor regente de si
mesmo -como se percebe, por
exemplo, escutando o recém-lançado disco com um registro de
1954 das "Bachianas" nš 7 e dos
"Choros" nš 6, regidos por Villa
com a Orquestra RIAS de Berlim
(gravadora Kuarup): pessoalíssimo e cativante, tanto quanto desequilibrado; e 3) as condições
técnicas de gravação simplesmente impossibilitavam que se guardasse essa arte tão original.
Faz toda diferença do mundo
escutar as camadas de música sobrepostas umas às outras, controladas pelo maestro Minczuk até
nos momentos de maior arroubo.
E sentença anterior mereceria
desdobramento: "toda diferença
do mundo" seria um mote para se
meditar sobre a arte de Villa-Lobos enquanto realização da cultura brasileira; e o "arroubo", nesse
contexto, ganharia uma dimensão de experiência que ao mesmo
tempo transcende e confirma
nossas potencialidades.
É um mundo de música. Um lugar para onde se volta, agora, uma
geografia sentimental que abarca
desde o sertão glauberiano (com
direito ao "Trenzinho do Caipira"), passando pelo Rio das "Bachianas" nš 3 -lindamente soladas pelo pianista Jean Louis
Steuerman, em tons livres de nostalgia, sem perder o encantamento do passado- até a incrível flora das "Bachianas" nš 4, com seu
mahleriano prelúdio e avassalador coral.
"Era um gênio mesmo", dizia
Manuel Bandeira de Villa-Lobos.
E completava: "o mais autêntico
que já tivemos, se é que algum dia
teremos outro". O próprio Bandeira seria um bom contra-exemplo; mas nem ele, nem nenhum
grande espírito da terra, do passado ou do futuro, deixará de ser
iluminado, em alguma medida,
por essa música. Que diferença,
então, ter uma gravação de referência, para se escutar o que foi, e
o que será.
Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras, nšs 2, 3, 4
Lançamento: Bis
Quanto: R$ 30, em média
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