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CINEMA "A HERDEIRA"
Filme, mesmo bom, reduz o livro de James
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Numa época carente de boas
histórias para adultos, o cinema
tem recorrido insistentemente à
obra do norte-americano Henry
James (1843-1916) em busca de
inspiração e densidade.
Nos últimos três anos apareceram três adaptações (sem contar
os telefilmes): "Retrato de uma
Senhora", pela neo-zelandesa Jane Campion, "As Asas do Amor",
pelo britânico Ian Softley, e, agora, "A Herdeira", que a polonesa
Agnieszka Holland extraiu da novela jamesiana "Washington
Square" (1880).
Mas James, mestre absoluto da
narrativa, sobretudo por meio da
manipulação hábil do ponto de
vista, é um autor difícil de traduzir em cinema.
Tem-se a impressão, no geral,
de que o que fica na tela é apenas a
superfície de seus livros -o enredo, os personagens, o "tema"-,
perdendo-se tudo o que está nas
entrelinhas, nas sombras, silêncios e subentendidos.
"A Herdeira", visto em si mesmo, sem a comparação opressiva
com o texto original, é um bom
filme: intenso, envolvente, filmado com cuidado e elegância.
Agnieszka Holland mexeu pouco na história original. Na Nova
York da segunda metade do século passado, Catherine (Jennifer
Jason Leigh), filha do rico e eminente médico Austin Sloper (Albert Finney), é cortejada por um
jovem pobre e aventureiro, Morris Towsend (Ben Chaplin).
Como o dr. Sloper considera a
filha desprovida de encantos, deduz que o pretendente é um caça-dotes e decide rechaçá-lo, contra a
vontade de Catherine.
Segue-se uma queda-de-braço
entre Sloper e Towsend pela lealdade da moça. Nenhum dos dois
a ama. O namorado quer usá-la
para enriquecer; o pai, para afirmar seu orgulho autoritário.
Numa sociedade em que o papel da mulher era o de fazer filhos
para a perpetuação do patrimônio da família, Catherine é um ser
desprovido de sentido social, condenado à solidão absoluta.
Para os projetos arrivistas do
namorado, ela é um mal necessário. Para o narcisismo autocrático
do pai, chega a ser um estorvo.
Aqui começam as diferenças
entre o filme e o livro. Tomada
talvez de compaixão por sua personagem, Holland "modernizou"
sua situação, acenando com a
possibilidade de Catherine tornar-se útil pelo trabalho social.
No filme, apesar da excelente
atuação de Albert Finney, os ambíguos e complexos sentimentos
de Sloper com relação à filha são
praticamente reduzidos a um só:
o ódio, explicado redutoramente
pelo fato de a mãe de Catherine
ter morrido ao lhe dar à luz.
Além disso, o filme abre mão
dos deslocamentos do ponto de
vista que são tão importantes no
livro. Com exceção de poucas cenas -como aquela em que Sloper visita a irmã de Towsend, tentando suborná-la-, o foco se
prende o tempo todo a Catherine.
Com isso, perdem-se as maquinações entre Towsend e a tia frustrada e casamenteira de Catherine (a ótima Maggie Smith).
Mas a passagem do texto à tela
não implica necessariamente
apenas perda. Pode-se ganhar algo em troca.
Um exemplo é a cena em que,
em viagem à Europa, o pai interpela a filha, no alto de uma montanha dos Alpes, exigindo que renuncie ao namorado.
No livro, há um admirável crescendo de tensão que chega ao
horror quando Catherine se dá
conta de que o desejo íntimo de
seu pai é eliminá-la fisicamente.
No filme, a angústia da moça,
confrontada com a terrível beleza
do abismo, parece ser a da descoberta de sua insignificância diante
das forças do mundo.
No livro, há a iminência do assassinato. No filme, a do suicídio.
Em ambos os casos, é uma cena
extraordinária.
Avaliação:
Filme: A Herdeira
Direção: Agnieszka Holland
Com: Jennifer Jason Leigh, Albert
Finney, Ben Chaplin, Maggie Smith
Quando: a partir de hoje nos cines Belas
Artes - Carmen Miranda e Market Place 3
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