São Paulo, sexta-feira, 23 de agosto de 2002

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MÚSICA

"Minha Lôa", novo trabalho do músico, mistura as raízes do Nordeste com o sangue novo da eletrônica

Naná Vasconcelos faz soar beats e grilhões

DIEGO ASSIS
DA REDAÇÃO

As dicas estavam todas ali: em 1999, ao aceitar compôr a trilha do desfile da M. Officer para a top Gisele Bündchen, ou em 2001, quando resolveu apostar as suas fichas na produção do disco de estréia do Cordel do Fogo Encantando, o percussionista Naná Vasconcelos já avisava, sua carreria sofreria uma guinada de 180.
"O que eu fiz está feito. Toquei com orquestras, com jazzistas, fiz muitos bailes e agora quero investir na eletrônica", afirma o músico, que permaneceu durante toda a década de 70 e 80 entre a Europa e Nova York até que alguém, aqui no Brasil, se desse conta de seu valor.
"Minha Lôa", primeiro trabalho de Vasconcelos gravado e produzido pelo selo Fábrica Estúdios, de Recife, marca a volta do namoro do músico e compositor com sua mais antiga paixão: a percussão rítmica (o que está longe de ser um pleonasmo para quem conhece os trabalhos mais experimentais de Naná). E tome maracatu, afoxé, forró e... drum'n'bass para pé-de-valsa nenhum reclamar.
"Antigamente esses ritmos nordestinos, como o coco e maracatu, eram coisa só da favela. Hoje é que a discriminação está acabando. Os jovens estão querendo conhecer as suas raízes e acabaram urbanizando esses sons", aponta. Lenine, Zeca Baleiro, Nação Zumbi, assinem embaixo...
É assim que "mestre Naná", com um computadorzinho aqui, um samplerzinho acolá, vai seduzindo as novas gerações. Com um pouco da história de seus ancestrais em "Goreé" -nome do último entreposto africano antes do embarque de escravos nos navios negreiros-, com o banzo de "Estrela Negra" e "Curumim" e, por fim, com o aviso de que "samba não foi feito só pra brincar" ("Voz Nagô"). Soam beats e grilhões.
A reeducação prossegue em "Macaco", em que nos lembra da capoeira, e em "Futebol", em que canta: "Não deixe o futebol perder a dança / Nem perca esse sorriso de criança (...) Dê carreirinha fique parado / Olhe pra gente que é essa a escola".
"Nos ensaios com a banda, tento passar não só a música mas as imagens que isso tudo evoca. Explico a história do povo nagô e de Goreé, onde estive recentemente", afirma o percussionista, que, para promover a turnê deste "Minha Lôa", conta com a ajuda de músicos das extintas Sheik Tosado e Jorge Cabeleira. "Mas não sou só eu quem falo. Também aprendo muito com eles. Gosto dessa energia, eles vão surfar de manhã e depois vêm ensaiar", diverte-se.
Surfe está fora de questão. Já o mergulho na linguagem eletrônica parece ter acrescentado alguns fios de cabelo branco ao músico, com seus 58 anos recém-completados: "Não queria que ficasse claro onde eu tocava e onde era programação. Tive que estudar muito, porque, nesse caso, não era a máquina que me acompanhava, mas eu que tinha que acompanhar a máquina".
Enfim, o sangue novo serve até para homenagear seu parceiro de longa data, Don Cherry, morto em 1995 e com quem formou, em 78, o trio de jazz Codona, que tinha ainda o multiinstrumentista Collin Walcott. Na batida do percussionista ou no remix de DJ Dolores, "Don's Rollerskates" é xote, é coco, é rap, é Naná Vasconcelos. O que não é moda nem nostalgia: é sempre vanguarda.


Minha Lôa    
Artista: Naná Vasconcelos
Lançamento: Fábrica Discos
Preço: R$ 20, em média



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