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São Paulo, sábado, 23 de agosto de 2003

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"YELLOW DOG"

Em seu mais recente romance, escritor britânico aborda incesto, criminosos, família real e pornografia

Antipatia cerca nova obra de Martin Amis

JOHN WALSH
DO "THE INDEPENDENT"

O escritor britânico Martin Amis, 53, deve estar se sentindo retaliado por todos os lados, sem que tenha feito nada de errado. Ao lançar seu novo romance, ""Yellow Dog" (Cachorro Amarelo) -340 páginas que reúnem incesto, pornografia, a família real britânica, criminosos e nomes chineses-, ele vem sendo agredido em artigos que sugerem que a obra seja um lixo.
Os jornais britânicos que saem aos domingos entraram na onda. O ""Sunday Times" revelou que os juízes do Prêmio Booker acharam ""Yellow Dog" ""desigual" e até ""ridículo". Como um Iago moderno, o editor de artes do jornal fez de conta que se solidarizava com Amis, dizendo que o autor seria submetido a ""novas humilhações", que ser deixado de fora da lista dos finalistas para o prêmio seria um golpe. Tudo isso apesar de Amis nunca ter manifestado interesse pelo Booker. Como interpretar a desaprovação?
Existe o sentimento de que Amis vem sendo Júlio César há tempo demais. Amis domina o mundo dos livros britânicos há mais de duas décadas. Em 1983, quando a Granta lançou ""Os Melhores Jovens Romancistas Britânicos", Amis emergiu como o líder. Seus primeiros livros foram triunfos do estilo sobre o conteúdo. "Dead Babies" (Bebês Mortos) tinha uma trilha emocionante feita de sexo, drogas e visões de rua. ""Sucess" (Sucesso) começou com seu toque típico, quando juntou uma figura repulsiva do submundo a um realizador aristocrático. Com ""Other People: A Mystery Story" (Outras Pessoas: Uma História de Mistério), Amis parou de ser engraçado e se propôs a incomodar o leitor, a deixá-lo com medo. Pela primeira vez, o final não fazia sentido.
Em 1984 saiu ""Grana", no qual encarou a América, Hollywood e egos. Alguns críticos acharam o livro repetitivo, e, pela primeira vez, registramos o fato de que seu estilo conciso começou a tender à repetição e profusão de adjetivos.
Com "Campos de Londres", algumas rachaduras começaram a aparecer na admiração até dos fãs. "A Seta do Tempo" (1991) era um experimento ousado em que escreveu sobre o Holocausto desde o ponto de vista de um médico nazista. O rosto por trás do narrador era demasiado obcecado com o horror para poder encontrar uma voz satírica. Após um hiato marcado por problemas pessoais, Amis voltou com ""A Informação", um romance sobre inveja literária iluminado pela consciência de um fato terrível: aos 46 anos, ele percebeu que todos vamos morrer. Sua escrita passou a parecer frouxa; seu tema, óbvio.
Foi a pior fase de sua vida -e coincidiu com o momento em que sua cotação esteve mais baixa. De repente, tudo o que ele fazia estava errado. Amis escreveu sobre isso em seu livro de memórias, "Experience" (Experiência, 2000), falando dos acontecimentos de 1995 e da morte de seu pai. Um novo Martin apareceu, sensível e com lágrimas. Ele exagerou na dose ao lançar ""Koba the Dread" (2002). O livro, um estudo sobre Stálin e sobre o porquê de veteranos partidários do regime comunista não serem rejeitados, representou um Amis sério se esforçando para encarar um tema de enormes proporções. Mas ele optou por entremear o livro com menções à morte de sua irmã e ao nascimento de sua filha. O recém-descoberto defensor das emoções cometeu o erro de inserir sua nova família em sua obra.
Existe uma antipatia generalizada tanto pelo sentimentalismo de Amis quanto por sua seriedade. Como um crítico disse, "os fatores que fizeram dele uma pessoa mais simpática talvez sejam responsáveis por não conseguir escrever bons livros de ficção". Escrever mal não é crime, nem sinal de falência moral. Mas duvido que Amis concordaria. E essa é uma das razões pelas quais ele rompeu com o novo universo literário. A geração Zadie Smith, que está em alta no momento, não venera a linguagem como ele. Ela venera o contar histórias, admira os personagens plausíveis e os finais compreensíveis. Mas e daí? A maioria das pessoas prefere alguém que, como Amis, é um escritor incorreto, mas tem energia.


Tradução Clara Allain


YELLOW DOG. Autor: Martin Amis. Editora: Hardcover. Quanto: R$ 53, em média (importado). Onde encontrar: www.amazon.com.


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