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Análise
Generalização une filmes preciosos
Sob o rótulo "cinema oriental", mostra aproxima diretores cuja filmografia costuma ser exibida no Brasil a conta-gotas
CRÍTICO DA FOLHA
A identificação de tantas
cinematografias distintas e autores com estéticas até mesmo divergentes
sob um nome tão genérico como "cinema oriental" é um pecadilho que pode atrapalhar
mais que ajudar quem se interessa ou quer descobrir filmes
feitos em outras culturas.
É sob tais generalizações,
contudo, que tem sido possível
se aproximar de determinadas
obras, como a do chinês (de
Taiwan) Hou Hsiao-hsien, cuja
filmografia só tem chegado
aqui de modo esparso e em ritmo de conta-gotas.
Principais destaques do ciclo
"Oriente Desconhecido", "Millennium Mambo" e "Three Times" são dois filmes de Hsiao-hsien feitos na última década e
que permaneceram, inexplicavelmente, inéditos, até mesmo
em mostras.
Por meio de ambos, o público
pode conhecer ou se aprofundar nos ritmos e incessantes
deslocamentos que o diretor
oferece nessas histórias focadas no tema dos relacionamentos amorosos.
Em "Millennium Mambo",
a jovem Vicky mergulha na desordem dos afetos, enquanto
perambula pela modernidade
subterrânea da noite de Taipé.
O modo de retratar, sem cli-
chês e sem idéias preconcebidas, a juventude no limiar do
século 21 permanece tão atual
quanto ilimitado na perspectiva geográfica.
O tempo como material e o
amor como temática são ainda
uma vez a fonte para Hsiao-hsien brincar de sismógrafo no
simplíssimo "Three Times",
em que um casal experimenta
as delícias e as agruras do relacionamento três vezes e em
três épocas distintas.
Revolução chinesa
Também o tempo, na forma
presente, é a matéria essencial
do cinema de Jia Zhang-ke, que
se concentra em revelar as perdas de referências individuais
sob as macrotransformações
pelas quais passa a China.
Já exibidos anteriormente,
mas sempre em cópias digitais
que distorciam a originalidade
da visão do diretor, "Xiao Wu -Artisan Pickpocket" e "O Mundo" captam, em diferentes momentos e escalas, a revolução
histórica em curso na China na
perspectiva dos excluídos do
grande sonho, sem precisar diluir sua atenção no espetáculo
da miséria.
Avesso ao cinema refém de
exotismos, que contaminou a
geração anterior de diretores
chineses, Zhang-ke expõe em
"O Mundo" uma situação que
há tempos não se restringe
mais a fronteiras, expressão de
uma angústia permanente que
vale para qualquer metrópole
cujos habitantes já não pertencem a uma periferia sem que
por isso tenham perdido o sentimento de ser periféricos.
Não menos contemporâneo
é o ponto de vista oferecido pelo tailandês Apichatpong Weerasethakul em seus três títulos
programados, todos estruturados como relatos duplos.
"Blissfully Yours", recebido
como um presente divino
quando exibido em Cannes em
2002, permaneceu inédito aqui
e será inconvenientemente
apresentado em DVD neste ciclo. Como nos trabalhos seguintes do diretor, a natureza
ocupa um lugar central, que
emerge por meio de um olhar
panteísta que se atém às quase
imperceptíveis mutações nos
gestos humanos e no ambiente
que os cerca.
Em vez de se manterem díspares e dispersas, as duas histórias que compõem de modo
equivalente seus dois outros
filmes programados, "Tropical
Malady" e "Syndromes and a
Century", funcionam como algo que retorna, provocando
suaves e incômodas releituras
na mente do espectador.
Também da Tailândia vêm
dois títulos do festejado Pen-ek
Ratanaruang, cujo cinema se
identifica com o de uma modernidade que credita mais valor a obras quando encontra
imagens calculadas para atrair
a atenção. "Last Life in the Universe" e "Invisible Waves" são,
ambos, exercícios de estilo em
que o diretor perde mais tempo
construindo os efeitos de planos do que se preocupando em
criar significados.
Refém de limitação semelhante é o "cinema de fotógrafo" de Yu Lik-wai, que concorreu no último Festival de Veneza com "Plastic City", filmado e
ambientado parcialmente em
São Paulo. Diretor de fotografia
dos filmes de Jia Zhang-ke,
"Love Will Tear us Apart" e "All
Tomorrow's Parties" são apenas exemplares de cinema que
cultiva o fetichismo da bela
imagem.
(CÁSSIO STARLING CARLOS)
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