São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 2008

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Análise

Generalização une filmes preciosos

Sob o rótulo "cinema oriental", mostra aproxima diretores cuja filmografia costuma ser exibida no Brasil a conta-gotas

CRÍTICO DA FOLHA

A identificação de tantas cinematografias distintas e autores com estéticas até mesmo divergentes sob um nome tão genérico como "cinema oriental" é um pecadilho que pode atrapalhar mais que ajudar quem se interessa ou quer descobrir filmes feitos em outras culturas.
É sob tais generalizações, contudo, que tem sido possível se aproximar de determinadas obras, como a do chinês (de Taiwan) Hou Hsiao-hsien, cuja filmografia só tem chegado aqui de modo esparso e em ritmo de conta-gotas.
Principais destaques do ciclo "Oriente Desconhecido", "Millennium Mambo" e "Three Times" são dois filmes de Hsiao-hsien feitos na última década e que permaneceram, inexplicavelmente, inéditos, até mesmo em mostras.
Por meio de ambos, o público pode conhecer ou se aprofundar nos ritmos e incessantes deslocamentos que o diretor oferece nessas histórias focadas no tema dos relacionamentos amorosos.
Em "Millennium Mambo", a jovem Vicky mergulha na desordem dos afetos, enquanto perambula pela modernidade subterrânea da noite de Taipé. O modo de retratar, sem cli- chês e sem idéias preconcebidas, a juventude no limiar do século 21 permanece tão atual quanto ilimitado na perspectiva geográfica.
O tempo como material e o amor como temática são ainda uma vez a fonte para Hsiao-hsien brincar de sismógrafo no simplíssimo "Three Times", em que um casal experimenta as delícias e as agruras do relacionamento três vezes e em três épocas distintas.

Revolução chinesa
Também o tempo, na forma presente, é a matéria essencial do cinema de Jia Zhang-ke, que se concentra em revelar as perdas de referências individuais sob as macrotransformações pelas quais passa a China.
Já exibidos anteriormente, mas sempre em cópias digitais que distorciam a originalidade da visão do diretor, "Xiao Wu -Artisan Pickpocket" e "O Mundo" captam, em diferentes momentos e escalas, a revolução histórica em curso na China na perspectiva dos excluídos do grande sonho, sem precisar diluir sua atenção no espetáculo da miséria.
Avesso ao cinema refém de exotismos, que contaminou a geração anterior de diretores chineses, Zhang-ke expõe em "O Mundo" uma situação que há tempos não se restringe mais a fronteiras, expressão de uma angústia permanente que vale para qualquer metrópole cujos habitantes já não pertencem a uma periferia sem que por isso tenham perdido o sentimento de ser periféricos.
Não menos contemporâneo é o ponto de vista oferecido pelo tailandês Apichatpong Weerasethakul em seus três títulos programados, todos estruturados como relatos duplos.
"Blissfully Yours", recebido como um presente divino quando exibido em Cannes em 2002, permaneceu inédito aqui e será inconvenientemente apresentado em DVD neste ciclo. Como nos trabalhos seguintes do diretor, a natureza ocupa um lugar central, que emerge por meio de um olhar panteísta que se atém às quase imperceptíveis mutações nos gestos humanos e no ambiente que os cerca.
Em vez de se manterem díspares e dispersas, as duas histórias que compõem de modo equivalente seus dois outros filmes programados, "Tropical Malady" e "Syndromes and a Century", funcionam como algo que retorna, provocando suaves e incômodas releituras na mente do espectador.
Também da Tailândia vêm dois títulos do festejado Pen-ek Ratanaruang, cujo cinema se identifica com o de uma modernidade que credita mais valor a obras quando encontra imagens calculadas para atrair a atenção. "Last Life in the Universe" e "Invisible Waves" são, ambos, exercícios de estilo em que o diretor perde mais tempo construindo os efeitos de planos do que se preocupando em criar significados.
Refém de limitação semelhante é o "cinema de fotógrafo" de Yu Lik-wai, que concorreu no último Festival de Veneza com "Plastic City", filmado e ambientado parcialmente em São Paulo. Diretor de fotografia dos filmes de Jia Zhang-ke, "Love Will Tear us Apart" e "All Tomorrow's Parties" são apenas exemplares de cinema que cultiva o fetichismo da bela imagem. (CÁSSIO STARLING CARLOS)


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