São Paulo, sexta-feira, 23 de outubro de 2009

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33ª MOSTRA DE SP

Filme partiu de crise de Almodóvar

"Farto de si mesmo", espanhol escreveu e dirigiu "Abraços Partidos" em que cineasta apaixona-se pela atriz de seu filme

Diretor define longa como sua declaração de amor ao cinema e também a expressão de sua paixão pela atriz Penélope Cruz


SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES

Quando Almodóvar se cansou de ser Almodóvar, pensou em recomeçar do zero com o nome de Harry Caine. Era uma ideia irrealizável, porque "ninguém escapa de si mesmo", explicou o cineasta espanhol em entrevista da qual a Folha participou, em maio, no Festival de Cannes, onde contou por que ficou farto de si mesmo. "Meu nome na Espanha virou um adjetivo. As pessoas dizem: "Isso é muito almodovariano". Para alguns, pode parecer glorioso, mas eu me sentia estranho. Era como se não falassem de mim. Comecei a ter nostalgia do anonimato." Como na vida real não poderia se transformar em Harry Caine, Almodóvar recorreu ao cinema, onde sua imaginação constrói pessoas e suas circunstâncias, e criou um personagem com esse nome. O Harry Caine de "Abraços Partidos" -atração da 33ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e com estreia comercial prevista para 20/11- é a segunda identidade de um cineasta em crise. Na trama, o ponto zero da crise do diretor Mateo Blanco (Lluís Homar) é a paixão que surge entre ele e a atriz Lena (Penélope Cruz) no set de filmagens de "Chicas y Maletas" (garotas e bolsas). Lena é casada com um magnata que, atormentado pela ideia da traição, tentará usar seu poderio para impedir a conclusão e o lançamento do filme. Como toda a história de "Abraços Partidos" gira em torno do cinema, Almodóvar não hesitou em incorporar ao filme suas próprias referências. "Chicas y Maletas" é uma refilmagem de "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos" (1988), o longa que inscreveu definitivamente a assinatura do espanhol no universo do cinema. O figurino de Mateo é composto por roupas que Almodóvar usava nos anos 90. O diretor define "Abraços Partidos" como sua "declaração de amor ao cinema" e também a expressão de sua "paixão por Penélope Cruz". É uma paixão sem sexo, como foram, segundo ele, todas as que viveu num set, à diferença de Mateo Blanco. "Foi uma regra que adotei para mim. Eu me sinto mais livre e independente assim. Acho negativo ir ao set com alguém com quem dormi. Mas isso não impede que minha relação com o elenco tenha muita sensualidade."

Hollywood
Em seu 17º longa, dono de uma marca pessoal tão forte que converteu seu nome em adjetivo, Almodóvar sabe exatamente o que não quer: "Não quero fazer filmes sobre heróis, anti-heróis ou super-heróis. Não faço sequências, flashbacks ou remakes". Em resumo, Almodóvar acha que não cabe em Hollywood, onde avalia que "a técnica digital é usada em detrimento da emoção". Como nos demais filmes do cineasta, a emoção é central em "Abraços Partidos". Desta vez, porém, sem desbordamentos. A contenção chega ao ponto de uma revelação decisiva na história de dois personagens -mãe e filho- ocorrer durante um café da manhã em que, depois da frase-bomba, um interlocutor diz ao outro: "Passe o suco, por favor". Segundo ele, o filme mostra os personagens "depois que já choraram tudo o que tinham para chorar na vida". E não é pouco. Apreciado por boa parte da crítica, o filme não foi escolhido pela Espanha para representá-la no Oscar nem deu a Almodóvar a almejada Palma de Ouro em Cannes, que foi para "A Fita Branca", de Michael Haneke, também na mostra. Encantar seu público e a crítica e, mesmo assim, amargar frustrações com um filme é situação recorrente na carreira do espanhol. Fora da tela, "Abraços Partidos" é também tipicamente almodovariano.


ABRAÇOS PARTIDOS

Quando: hoje, às 23h10, no Espaço Unibanco, e em outros quatro dias e locais de exibição
Classificação: 14 anos




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