São Paulo, quarta-feira, 24 de março de 2010

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Teatro/ "Vida"

Espetáculo confirma qualidade de grupo teatral de Curitiba

Companhia Brasileira de Teatro, uma das principais do país, apresenta peça inspirada no poeta Paulo Leminski

LUIZ FERNANDO RAMOS
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

O teatro como a perplexidade humana diante do céu estrelado. Esta é uma das potencialidades que "Vida", da Companhia Brasileira de Teatro, atualiza em sua visita ao universo do poeta paranaense Paulo Leminski. Fruto de um longo processo de criação, o espetáculo confirma o coletivo de Curitiba como um dos principais grupos brasileiros, em sintonia com as questões mais instigantes do teatro contemporâneo.
É sintomático que o autor do texto final e da encenação, Márcio Abreu, conceda a duas atrizes, Giovana Soar e Nadja Naira, a parceria na dramaturgia. Todo o material dramatúrgico emergiu a partir das questões que as duas, e os dois outros atores, Gonzales e Rodrigo Ferrarini, propuseram.
Nesse sentido é natural que eles se tratem em cena pelos seus nomes reais e em nenhum momento se caracterizem propriamente como personagens de uma trama. Seus desempenhos envolvem fabulação, mas é interna, sempre como emanação de seus próprios contornos. Não interpretam outros e estão presentes, jogando com a situação e com o público.
Sem cair na tentação de evocar a biografia ou adaptar qualquer texto de Leminski, Márcio Abreu construiu sua sintaxe cênica a partir da entrega dos colaboradores e do aproveitamento de alguns vagos sinais da constelação do poeta, como as traduções de Haroldo de Campos de poemas de Khlebnikov e Maiakovski e o título de um de seus livros, "Distraídos Venceremos", que se torna um vero epíteto do espetáculo.
O espaço cênico proposto, "uma sala vazia e sem janelas", ainda que jogue com um subtexto explícito - "quatro pessoas exiladas numa cidade qualquer (...) nos ensaios de uma banda que deverá se apresentar no jubileu da cidade"- remete o tempo todo à situação que ocorre diante do público.
De fato, a verdadeira troca que ocorre na peça é quase sempre entre os atores e a plateia. Suas falas são tentativas de contato -"estão comigo?"- que apresentam suas disposições e idiossincrasias em separado. Seus diálogos são truncados e não progridem. Agem por si e se expõem até as entranhas, mas o máximo de interação que conseguem é executar um número musical bem tosco com grande dificuldade.
O cenário, formado por três paredes e pontuado só por um mapa-múndi, algumas cadeiras, uma mesa e instrumentos musicais, também participa da instabilidade e do isolamento.
A parede do fundo é móvel e ora recua, ampliando o espaço de atuação, ora se fecha confinando os atores à ribalta. Essas variações demarcam mais as intensidades do que as situações dramáticas, já que não está acontecendo propriamente nada que se possa identificar como uma ficção. Tudo o que ocorre é evocativo, sugestão de clima, talvez poesia.
Nessa ambientação mais sensorial que meditativa, a trilha de André Abujamra executada por Gustavo Proença tem um papel decisivo na busca da cumplicidade dos espectadores e chega a arrebatá-los. Contudo, o que garante mesmo essa adesão e em alguns momentos maravilha, como uma noite de estrelas, é o conjunto da obra.

O crítico LUIZ FERNANDO RAMOS viaja a convite da organização do Festival de Curitiba.


VIDA

Avaliação: ótimo




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