São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 2000


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MÚSICA
Compositor Lou Reed diz que só escreve suas canções na hora de gravar e que evita mudar as letras
"É muito perigoso viver do passado"

da Redação

Leia a seguir a continuação da entrevista com Lou Reed.
(ANDRÉ BARCINSKI)

Folha - Suas letras têm um estilo narrativo, como se fossem crônicas. Como você compõe?
Reed -
Eu desenvolvi um processo próprio, que consiste em não ter processo algum. Vou armazenando cenas e palavras em minha cabeça, e passo meses pensando muito sobre tudo aquilo. Quando chega a hora de gravar um disco, eu passo para o papel.

Folha - Você então não é do tipo que, quando pinta a inspiração, corre para o caderno e anota tudo, para não esquecer?
Reed -
Não, de jeito nenhum, nunca fiz isso. Prefiro confiar na minha memória. Sei que, na hora, vou conseguir lembrar das coisas que realmente me marcaram. Também não gosto de ficar burilando muito minhas letras.
Geralmente, a primeira versão que eu ponho no papel é a que fica. Há gente que adora ficar mexendo em sua música, mas, para mim, isso não funciona. Eu ficaria louco. Você não pode voltar e ficar mudando tudo, senão você nunca deixa de viver no passado. E é muito perigoso ficar vivendo no passado. Se eu fizesse isso, acabaria me tornando o meu maior fã, o que seria ridículo.

Folha - Vamos falar um pouco do novo disco, "Ecstasy". Novamente, sua grande inspiração parece ter sido Nova York...
Reed -
É, tenho um caso de amor e ódio com essa cidade...

Folha - O que você acha de Nova York hoje? Está muito diferente da cidade em que você cresceu, não?
Reed -
Nem me fale. Cada polegada da cidade está sendo vendida para um yuppie diferente. Todos os quarteirões estão tomados por prédios gigantescos, habitados por milionários que só querem saber de suas ações de tecnologia. Estão construindo prédios de luxo no Brooklyn, em Queens, em toda parte. Nosso prefeito está delirando. Ele é tão paroquial, tão conservador, alguém precisa dizer para ele que não faz mal nenhum ter um bar de topless na cidade, ou bares para adultos...

Folha - Mas você continua falando do lado "selvagem" da cidade, de personagens notívagos, de prostitutas, de traficantes. Existe ainda esse lado de Nova York, ou é tudo algum resquício da sua memória?
Reed -
É lógico que existe. Não sei onde você tem passado as noites, mas, nos lugares que eu frequento, ainda existe muita coisa esquisita por aí. Só tenho que procurar um pouco mais agora do que nos anos 70.

Folha - De onde vem a obsessão pelo lado escuro da vida?
Reed -
Não sei. Sempre fui assim, sempre me interessei pelos foras-da-lei, por pessoas fora do padrão que a sociedade considera normal. Eu gosto de filmes "noir", adoro o clima, a atmosfera desses filmes. Gosto também da literatura policial "noir", gosto de histórias de detetives que vagam pela noite, por ruas escuras, é uma coisa que me atrai. Outro dia eu estava na fila de um cinema, quando vi um mendigo gritando com uma mulher. Achei que ele estava perturbando a coitada, mas, quando cheguei perto, vi que ele estava recitando "O Corvo", de Edgar Allan Poe. Achei aquilo sensacional, me marcou.

Folha - Você não teve vontade de escrever uma letra sobre esse episódio?
Reed -
Já fiz a letra. Está guardada na minha cabeça. No próximo disco eu gravo.


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