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MÚSICA
Compositor Lou Reed diz que só escreve suas canções na hora de gravar e que evita mudar as letras
"É muito perigoso viver do passado"
da Redação
Leia a seguir a continuação da
entrevista com Lou Reed.
(ANDRÉ BARCINSKI)
Folha - Suas letras têm um estilo narrativo, como se fossem
crônicas. Como você compõe?
Reed - Eu desenvolvi um processo próprio, que consiste em
não ter processo algum. Vou armazenando cenas e palavras em
minha cabeça, e passo meses pensando muito sobre tudo aquilo.
Quando chega a hora de gravar
um disco, eu passo para o papel.
Folha - Você então não é do tipo que, quando pinta a inspiração, corre para o caderno e anota tudo, para não esquecer?
Reed - Não, de jeito nenhum,
nunca fiz isso. Prefiro confiar na
minha memória. Sei que, na hora,
vou conseguir lembrar das coisas
que realmente me marcaram.
Também não gosto de ficar burilando muito minhas letras.
Geralmente, a primeira versão
que eu ponho no papel é a que fica. Há gente que adora ficar mexendo em sua música, mas, para
mim, isso não funciona. Eu ficaria
louco. Você não pode voltar e ficar mudando tudo, senão você
nunca deixa de viver no passado.
E é muito perigoso ficar vivendo
no passado. Se eu fizesse isso, acabaria me tornando o meu maior
fã, o que seria ridículo.
Folha - Vamos falar um pouco
do novo disco, "Ecstasy". Novamente, sua grande inspiração
parece ter sido Nova York...
Reed - É, tenho um caso de
amor e ódio com essa cidade...
Folha - O que você acha de Nova York hoje? Está muito diferente da cidade em que você
cresceu, não?
Reed - Nem me fale. Cada polegada da cidade está sendo vendida para um yuppie diferente. Todos os quarteirões estão tomados
por prédios gigantescos, habitados por milionários que só querem saber de suas ações de tecnologia. Estão construindo prédios
de luxo no Brooklyn, em Queens,
em toda parte. Nosso prefeito está
delirando. Ele é tão paroquial, tão
conservador, alguém precisa dizer para ele que não faz mal nenhum ter um bar de topless na cidade, ou bares para adultos...
Folha - Mas você continua falando do lado "selvagem" da cidade, de personagens notívagos, de prostitutas, de traficantes. Existe ainda esse lado de
Nova York, ou é tudo algum resquício da sua memória?
Reed - É lógico que existe. Não
sei onde você tem passado as noites, mas, nos lugares que eu frequento, ainda existe muita coisa
esquisita por aí. Só tenho que procurar um pouco mais agora do
que nos anos 70.
Folha - De onde vem a obsessão pelo lado escuro da vida?
Reed - Não sei. Sempre fui assim, sempre me interessei pelos
foras-da-lei, por pessoas fora do
padrão que a sociedade considera
normal. Eu gosto de filmes "noir",
adoro o clima, a atmosfera desses
filmes. Gosto também da literatura policial "noir", gosto de histórias de detetives que vagam pela
noite, por ruas escuras, é uma coisa que me atrai. Outro dia eu estava na fila de um cinema, quando
vi um mendigo gritando com
uma mulher. Achei que ele estava
perturbando a coitada, mas,
quando cheguei perto, vi que ele
estava recitando "O Corvo", de
Edgar Allan Poe. Achei aquilo
sensacional, me marcou.
Folha - Você não teve vontade
de escrever uma letra sobre esse episódio?
Reed - Já fiz a letra. Está guardada na minha cabeça. No próximo
disco eu gravo.
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