PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Se o novo álbum demonstra que o êxtase que ele diz viver com Laurie Anderson não está rendendo canções de extasiar, há mais Lou Reed por aí (cada vez é mais assim lá fora -e aqui, não-, o cara lança a "novidade" e vem um comboio de "memorabilia" atrás para apimentar).
No setor discográfico, em que só lá fora (alô, BMG Brasil!) edições remasterizadas vêm sido lançadas paulatinamente (já foram os indiscutíveis "Transformer", de 72, e "Berlin", de 72, mais "The Blue Mask", de 82), saem agora mais três títulos.
Só na Europa, seu (irregular) LP de estréia, "Lou Reed" (72), ganha nova e luxuosa versão em CD -item obrigatório para colecionadores, nem tanto para outros.
O ao vivo "Rock'n Roll Animal" (74) é daqueles discos difíceis, de versões longuíssimas para as indescritíveis "Heroin" (67), "Sweet Jane" (70) e "Lady Day" (73). O atrativo extra é que o disco inclui mais duas faixas retiradas do show, "How Do You Think It Feels" e "Caroline Says I", ambas originais do álbum "Berlin".
Produto de alta inspiração de Lou Reed, "Rock and Roll Heart" (76) fecha o breve pacote, em clave de rock-soul tranquilo de letras (como sempre) ácidas. Do tempo em que o artista ainda primava por melodias colantes (ainda que pouco comerciais), sobe ao melhor de Lou Reed em faixas como "Ladies Pay" e "You Wear It So Well".
A vedete de memória do momento, no entanto, é "Pass thru Fire - The Collected Lyrics", que reúne todos os poemas musicais escritos por Lou Reed desde a estréia em "The Velvet Underground & Nico" (67) até "Ecstasy" (inclusive).
Além de conter poesia em alta velocidade, o "book" (sim, só importado novamente, embora a Fnac já o tenha colocado em circulação em São Paulo) é um achado de arte e diagramação.

Borrões de tinta
As letras são blocadas de acordo com os álbuns de origem, e cada álbum ganha um design (simples, tosco) específico.
Assim, por exemplo, as letras de "Loaded" (70), do Velvet, vão aos poucos sendo manchadas por pretensas gotas e borrões de tinta; sobre fundo negro, as de "Transformer" vão ficando brilhantes, esfumaçadas, e as de "Rock and Roll Heart" vão evanescendo; as de "Songs for Drella" (90, com John Cale) destacam palavras e as reproduzem diversas vezes, à moda do homenageado do CD, Andy Warhol.
Letras invadem o frontispício, ficam de cabeça para baixo, ganham bolhas psicodélicas, são escritas como se estivessem diante do espelho, caem, sobem, fazem caracóis...
Parece bobagem, mas é a plena expressão da carteira de identidade artística de Lou Reed. Como em todos os seus discos (mesmo os raquíticos), é preciso esculhambar a ordem, chamar o caos, negar, negar, negar.
Metáfora da arte esquizofrênica de Lou Reed, o parquinho de diversões gráfico de seu livro reitera loucura, revolta, paixão. Ele esboroa, mas não abre mão de seus preceitos. Nem conseguiria -eles correm em seu sangue.

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