São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 2000


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VÍDEO
"Cadete" mostra Mamet entre teatro e cinema

especial para a Folha

Egresso do teatro, o norte-americano David Mamet sempre deixou marcas do "suporte" em seus filmes. Além de adaptar numerosas peças de Tchecov para a TV, fez de suas incursões em película um trabalho contínuo de colocar em primeiro plano argumento, texto e direção de atores.
Se isso beirou o radicalismo em "Oleanna" ou o soturno em "Homicídio", nada disso tornou-o fechado ou "pára-quedista". "Cadete Winslow" (1999), de rápida passagem pelos cinemas de São Paulo, segue a regra. Toma uma peça popular do meio do século no Reino Unido, adaptada uma vez anteriormente para o cinema, e deixa seus atores falarem, falarem, falarem.
Mas não se trata de um "cinema falado". Há marcações, ritmo, narrativa. Para contar a história do adolescente Ronnie (Guy Edwards), que é expulso do Colégio Naval inglês por supostamente afanar um vale postal de valor insignificante, e de seu pai, Arthur Winslow (Nigel Hawthorne), que acredita em sua jurada inocência e vai aos tribunais contra a Marinha, ele distribui o eixo narrativo por vários personagens. No desfecho, quando finalmente é sabido o veredicto sobre o caso, cabe a uma criada contá-lo ao espectador. Não bastasse essa inesperada locução, a narração ganha outras vozes difusas ao longo do filme.
Do advogado conservador sensível, que é cortejado (e vice-versa) pela irmã do acusado -uma militante pelo direito do voto feminino- há uma distribuição formal de poder que corresponde à essa mesma distribuição em termos de conteúdo: em vez de cenas de tribunal, cenas de alcova; contra a instituição colossal, a Marinha, a vitória de uma mera e insignificante pessoa física. Fazer de um tema basicamente de tribunal -que se tornou um gênero tão caro ao cinema americano-, um filme que se furta a mostrar as cenas vitais do tribunal, é também uma subversão, quem sabe mesmo uma provocação. Mamet mexeu ainda em outro vespeiro -relações no interior de uma família (na década de 10!)-, ainda que o tema, de interesse cinematográfico zero, estivesse no texto original de Terence Rattigan. Mas o diretor soube dar luz aos vários integrantes da família. Mesmo a crucial situação de o pai não reprimir o filho ganha uma inesperada verossimilhança. Há um clima de contenção que perpassa todo o filme. Nada de gestos grandiloquentes, como se deve supor em tais personagens. Com isso, ganham relevância os olhos de Hawthorne, expressivos o suficiente para fazê-lo possível num casting de cinema mudo.
Mamet, em "Cadete", prova que domina a linguagem e que mantém sólida a ponte que vem há anos construindo entre teatro e cinema.
(PAULO VIEIRA)


Avaliação:   

Filme: Cadete Winslow (The Winslow Boy)
Direção: David Mamet
Com: Nigel Hawthorne, Jeremy Northam, Rebecca Pidgeon
Lançamento: Columbia (104 min)


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