|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VÍDEO
"Cadete" mostra Mamet entre teatro e cinema
especial para a Folha
Egresso do teatro, o norte-americano David Mamet sempre deixou marcas do "suporte" em seus
filmes. Além de adaptar numerosas peças de Tchecov para a TV,
fez de suas incursões em película
um trabalho contínuo de colocar
em primeiro plano argumento,
texto e direção de atores.
Se isso beirou o radicalismo em
"Oleanna" ou o soturno em "Homicídio", nada disso tornou-o fechado ou "pára-quedista". "Cadete Winslow" (1999), de rápida
passagem pelos cinemas de São
Paulo, segue a regra. Toma uma
peça popular do meio do século
no Reino Unido, adaptada uma
vez anteriormente para o cinema,
e deixa seus atores falarem, falarem, falarem.
Mas não se trata de um "cinema
falado". Há marcações, ritmo,
narrativa. Para contar a história
do adolescente Ronnie (Guy Edwards), que é expulso do Colégio
Naval inglês por supostamente
afanar um vale postal de valor insignificante, e de seu pai, Arthur
Winslow (Nigel Hawthorne), que
acredita em sua jurada inocência
e vai aos tribunais contra a Marinha, ele distribui o eixo narrativo
por vários personagens. No desfecho, quando finalmente é sabido
o veredicto sobre o caso, cabe a
uma criada contá-lo ao espectador. Não bastasse essa inesperada
locução, a narração ganha outras
vozes difusas ao longo do filme.
Do advogado conservador sensível, que é cortejado (e vice-versa) pela irmã do acusado -uma
militante pelo direito do voto feminino- há uma distribuição
formal de poder que corresponde
à essa mesma distribuição em termos de conteúdo: em vez de cenas
de tribunal, cenas de alcova; contra a instituição colossal, a Marinha, a vitória de uma mera e insignificante pessoa física. Fazer de
um tema basicamente de tribunal
-que se tornou um gênero tão
caro ao cinema americano-, um
filme que se furta a mostrar as cenas vitais do tribunal, é também
uma subversão, quem sabe mesmo uma provocação. Mamet mexeu ainda em outro vespeiro
-relações no interior de uma família (na década de 10!)-, ainda
que o tema, de interesse cinematográfico zero, estivesse no texto
original de Terence Rattigan. Mas
o diretor soube dar luz aos vários
integrantes da família. Mesmo a
crucial situação de o pai não reprimir o filho ganha uma inesperada verossimilhança. Há um clima de contenção que perpassa todo o filme. Nada de gestos grandiloquentes, como se deve supor
em tais personagens. Com isso,
ganham relevância os olhos de
Hawthorne, expressivos o suficiente para fazê-lo possível num
casting de cinema mudo.
Mamet, em "Cadete", prova que
domina a linguagem e que mantém sólida a ponte que vem há
anos construindo entre teatro e
cinema.
(PAULO VIEIRA)
Avaliação:
Filme: Cadete Winslow (The Winslow
Boy)
Direção: David Mamet
Com: Nigel Hawthorne, Jeremy
Northam, Rebecca Pidgeon
Lançamento: Columbia (104 min)
Texto Anterior: Público prefere o popular Próximo Texto: Artes Plásticas: Museu naïf ganha quadro de 25 metros Índice
|