São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 2006

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Sade ganha livros e ciclo de cinema

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Sadismo e sádico são dois termos que dificilmente alguém usa para elogiar algo ou alguém. Pelo menos nesta semana, o nome que está na origem desses termos, o célebre marquês de Sade (1740-1814), receberá não apenas elogios mas também bastante atenção. Com o lançamento de uma nova tradução de "Os 120 Dias de Sodoma" e de "Lições de Sade", coletânea de ensaios assinados por Eliane Robert Moraes, o "divino marquês" poderá ser apreciado à distância lúcida dos preconceitos que cercam sua obra.
Para acompanhar a edição das obras tem início amanhã no CCSP e na sala Olido uma programação de filmes raros inspirados direta ou indiretamente pelas idéias e escritos daquele que hoje é considerado um dos mais importantes filósofos libertinos.
Mas nem sempre foi assim. Desde os anos em que viveu, dos quais quase a metade foi passada dentro de prisões e hospícios, Sade é visto como "encarnação do mal" e como autor de um pensamento a ser extirpado, eliminado.
O temor por suas obras justifica-se pelo fato de ele ter ousado não apenas trazer à tona o lado sombrio do homem mas também elogiado nossa inclinação para a destruição e a morte. Sade "dedicou-se com rigor e paixão a provar que a liberdade humana só se realiza plenamente no mal", observa Eliane Robert Moraes na apresentação de seus ensaios.
Ídolo número um de pensadores transgressores, foi só no século 20 que os textos de Sade ampliaram sua influência, graças em particular à incorporação de seu ideário por parte de algumas vanguardas artísticas.
A mostra "Sade no Cinema" revela as facetas dessa influência na obra de cineastas que buscaram no marquês uma inspiração para suas transgressões.
Do primeiro grupo, destacam-se os filmes dirigidos por Jesus Franco, um dos mais prolíficos cineastas da história, dedicado a produções baratas, muitas inclassificáveis, mas considerado por muitos um visionário, com um imaginário kitsch e excessivo. De Franco, a mostra exibe "Marquis de Sade's Justine" e "Eugenie". Mas é também boa oportunidade para descobrir o marquês por meio de biografias feitas por cineastas como Peter Brook ("Marat/Sade"), Benoît Jacquot ("Sade") e Philip Kaufman ("Contos Proibidos do Marquês de Sade").
Ainda mais importante é a seleção presente na mostra de criações que não teriam existido sem o pioneirismo de Sade. A começar por "A Idade do Ouro" e "A Bela da Tarde", dois filmes de Buñuel, se não o único, o mais importante artista surrealista a adotar o cinema como meio de expressão.
Desta ordem de transgressivos, o ciclo exibe "Império dos Sentidos", de Nagisa Oshima, e "A Comilança", de Marco Ferreri. Feitos nos anos 70, ambos são tratados dos excessos e mergulhos intensos nos vínculos, nem sempre aparentes, entre desejo e morte.
Nenhum deles, porém, supera o alcançado por Pasolini em "Salò", adaptação de "Os 120 Dias de Sodoma" na qual o cineasta italiano traduz para a tela, além dos temas de Sade, o principal de sua obra: o mal-estar e o obsceno até um ponto intolerável, o mesmo que o marquês julgava necessário para que seus leitores abandonassem a segurança das crenças e se juntassem a ele na zona escura onde começa a reflexão.


Lições de Sade Autor: Eliane Robert Moraes
Quanto: R$ 35 (160 págs.)
Lançamento: quinta-feira, dia 27, às 18h30 na Livraria da Vila (r. Fradique Coutinho, 915, tel. 0/xx/11/3073-0513)

Os 120 Dias de Sodoma
Autor: Marquês de Sade
Quanto: R$ 44 (368 págs.)

Sade no Cinema
Quando:
de 25/4 a 7/5
Onde: CCSP (r. Vergueiro, 1.000, programação no site http://sampa3.prodam.sp.gov.br/ccsp) e Galeria Olido (av. São João, 473, programação no site http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/ cultura/dia/ 2006/04/0002).
Quanto: entrada franca


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