São Paulo, sábado, 24 de abril de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS

Crítica/"Juliet, Nua e Crua"

Hornby debocha do próprio passado

Em novo romance, escritor inglês "amadurece" e trai personagens e leitores típicos do seu universo pop adolescente

Pal Hansen/Contour/Getty Images
O autor inglês Nick Hornby, que lança agora livro considerado uma "facada nas costas" por alguns fãs em comunidade na internet

THALES DE MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL

Nick Hornby amadureceu. Se isso é bom ou ruim, a resposta ainda não está no romance "Juliet, Nua e Crua". O melhor adjetivo para o livro: surpreendente. Porque pela primeira vez o escritor debocha de seus personagens típicos. O que pode ofender seus leitores típicos.
Desde a estreia, "Fome de Bola", e, principalmente, "Alta Fidelidade", Hornby enfoca trintões ou quarentões que insistem em manter comportamento adolescente. Ele mesmo imerso no mundo pop, criou tipos que guiam suas vidas pelos novos álbuns de seus ídolos.
"Alta Fidelidade", ainda sua obra mais poderosa, disseminou a mania de eleger listas de cinco melhores e, mais do que definir um comportamento, deu às pessoas uma espécie de aval para adotar atitude teen sem parecer ridículo.
O problema é que Hornby, aos 53 anos, parece ter enxergado o ridículo nisso. Sumiu o carinho que ele dedicava à turma da loja de discos de "Alta Fidelidade". Sobra em "Juliet, Nua e Crua" ironia e crueldade para Tucker, Annie e Duncan, o trio que tenta colocar em pé a trama do livro.
Na teoria, são três personagens plenamente integrados ao universo do escritor. Tucker Crowe é um roqueiro americano dos anos 1980, mais um "novo Dylan". Mas o cantor sumiu da mídia depois de um misterioso incidente no banheiro de um bar durante a turnê de 1986.
Mais de 20 anos depois, o que restou dele é um álbum sempre lembrado entre os melhores da história, "Juliet", e um amalucado séquito na internet.
O rei dos seguidores é o inglês Duncan, que busca sinais de vida de Tucker. Mas é justamente Annie, a namorada que nem liga tanto para o cantor, que acaba fazendo contato com o astro recluso, agora com 55 anos e uma penca de filhos que vieram de relacionamentos erráticos. Hornby mostra o vazio da vida de todos. Na gangorra da idolatria, ninguém ganha: o fã alucinado vive das migalhas do ídolo ausente e o astro perdeu tudo o que tinha.
Há evidente intenção de humor em alguns momentos, mas o que fica é o retrato de derrotados patéticos. Será difícil um devoto do Radiohead perdoar o tom cáustico de Hornby. Comunidades na internet já tratam o terço inicial do livro como "uma facada nas costas". Mas o problema de "Juliet, Nua e Crua" não é apenas esse novo olhar para o mundo pop.
Nessa parte da narrativa, Hornby ainda mostra a prosa esperta e envolvente que o transformou em um dos grandes autores ingleses. Ele derrapa feio quando o foco passa a ser os relacionamentos pessoais. Os personagens, desta vez, não convencem, falta-lhes estofo. Quando o cinquentão Tucker conversa com a filha de 21 anos, Hornby não acerta a mão: parecem adolescentes tentando falar como adultos.
Usando o mesmo recurso do personagem principal de "Alta Fidelidade", viciado em listas de cinco melhores discos, a conclusão inevitável é que "Juliet, Nua e Crua" não figura no "top cinco" das obras do escritor. Deve ser encarado como um trabalho de transição. É esperar o próximo para entender melhor o novo Nick Hornby.


JULIET, NUA E CRUA

Autor: Nick Hornby
Tradução: Paulo Reis
Editora: Rocco
Quanto: R$ 34 (272 págs.)
Avaliação: regular




Texto Anterior: Crítica/Osesp: Minczuk é ovacionado após regência virtuosa
Próximo Texto: Trecho
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.