São Paulo, sexta-feira, 24 de maio de 2002

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CINEMA

Russo ganha retrospectiva na Mostra de São Paulo, em outubro

"A arte é um grande luxo", diz Sokurov em Cannes

Reuters
O diretor russo Alexander Sokurov, que compete pela Palma de Ouro no Festival de Cannes com o longa-metragem "Arca Russa"


ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

Filmado num único longo plano de uma hora e 36 minutos, "Arca Russa", do diretor Alexander Sokurov, percorre os salões do Museu Hermitage, em São Petersburgo, para refletir sobre a história da Rússia e da Europa.
A sofisticação artística, o aristocratismo intelectual e o pessimismo do filme implantaram a dissonância no ambiente de profissionais de cinema do Festival de Cannes. "Arca Russa" é um dos filmes concorrentes do festival, que termina no domingo.
Ontem, Sokurov recebeu a imprensa, em grupos de cinco jornalistas por vez. "A arte é um grande luxo", disse na entrevista de quase uma hora -sempre gentil e sem pressa. Leia a seguir algumas das perguntas feitas pela Folha.

Folha - "Arca Russa" é sobretudo um filme sobre a história de seu país. Como o sr. interpreta essa história no conjunto?
Alexander Sokurov -
Sou formado em história, e essa é minha primeira profissão. Para mim, a história da Rússia não existe num tempo passado. Considero os eventos históricos como ainda estando aí, como se se estendessem até o presente. Assim, não tenho problemas para imaginar os personagens históricos e pensar em mim mesmo entre eles.
Quanto à Rússia, tenho a impressão de que sua história é uma espécie de círculo em plano horizontal, que faz voltar sempre os mesmos problemas. Sinto que é uma história sem desenvolvimento. Não quero dizer que não haja conhecimento nela. Mas penso que a Rússia não deve esperar muito de seu futuro histórico.

Folha - O sr. disse que a literatura e a pintura são superiores ao cinema. Por que filma?
Sokurov -
Foram os acontecimentos da minha vida que me levaram nessa direção. Acho que o cinema tem recursos imensos. Eu obtive, porém, minha educação pelos livros. As minhas impressões mais profundas estão relacionadas a escritores e pintores. Tal como foi imaginado na Europa em seus primórdios, o cinema se tornou bem cedo um entretenimento e um negócio antes de se tornar uma arte. Falando metaforicamente, os europeus levaram a criança para o túmulo. O desenvolvimento seguinte do cinema seguiu essa ordem. Se eu pudesse voltar atrás em minha vida, teria feito uma outra coisa.

Folha - O que pode ser a arte no mundo da indústria cultural?
Sokurov -
É difícil responder, porque isso toca no interesse de grandes massas de pessoas. Eu diria que a arte é um grande luxo. De dois pontos de vista, e há apenas dois. O primeiro é o da criação. É preciso muito trabalho para criar uma obra de arte, não apenas fisicamente, mas também no sentido de formar a si próprio e chegar a um determinado grau de compreensão e de disciplina.
O segundo ponto é a recepção. Receber, perceber e entender uma obra de arte despende também um considerável esforço. Então, a arte é uma espécie de sistema fechado. Mas existem portas para entrar nesse sistema, que são os sentimentos humanos. Podemos adquirir conhecimento por meio do intelecto, mas há pouca gente que tem intuição e está aberta para os sentimentos. Para as pessoas, é muito difícil obter coisas apenas do mundo interior. Elas têm sempre que receber coisas do exterior. Por isso aceitam tão grande quantidade de consumo visual. Ler é difícil.
Milhões de pessoas não têm força suficiente para ler um texto até o final. Força, eu insisto. Olhar é mais fácil, você pode entender por si mesmo qualquer assunto. A visão é um dom de Deus e não requer nada das pessoas.

Folha - Haverá uma grande retrospectiva de sua obra na Mostra de São Paulo, em outubro. O que é o Brasil para o sr.?
Sokurov -
Jorge Amado.



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