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CINEMA
Russo ganha retrospectiva na Mostra de São Paulo, em outubro
"A arte é um grande luxo", diz Sokurov em Cannes
Reuters
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O diretor russo Alexander Sokurov, que compete pela Palma de Ouro no Festival de Cannes com o longa-metragem "Arca Russa" |
ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A CANNES
Filmado num único longo plano de uma hora e 36 minutos,
"Arca Russa", do diretor Alexander Sokurov, percorre os salões
do Museu Hermitage, em São Petersburgo, para refletir sobre a
história da Rússia e da Europa.
A sofisticação artística, o aristocratismo intelectual e o pessimismo do filme implantaram a dissonância no ambiente de profissionais de cinema do Festival de
Cannes. "Arca Russa" é um dos
filmes concorrentes do festival,
que termina no domingo.
Ontem, Sokurov recebeu a imprensa, em grupos de cinco jornalistas por vez. "A arte é um grande
luxo", disse na entrevista de quase
uma hora -sempre gentil e sem
pressa. Leia a seguir algumas das
perguntas feitas pela Folha.
Folha - "Arca Russa" é sobretudo
um filme sobre a história de seu
país. Como o sr. interpreta essa história no conjunto?
Alexander Sokurov - Sou formado em história, e essa é minha primeira profissão. Para mim, a história da Rússia não existe num
tempo passado. Considero os
eventos históricos como ainda estando aí, como se se estendessem
até o presente. Assim, não tenho
problemas para imaginar os personagens históricos e pensar em
mim mesmo entre eles.
Quanto à Rússia, tenho a impressão de que sua história é uma
espécie de círculo em plano horizontal, que faz voltar sempre os
mesmos problemas. Sinto que é
uma história sem desenvolvimento. Não quero dizer que não
haja conhecimento nela. Mas
penso que a Rússia não deve esperar muito de seu futuro histórico.
Folha - O sr. disse que a literatura
e a pintura são superiores ao cinema. Por que filma?
Sokurov - Foram os acontecimentos da minha vida que me levaram nessa direção. Acho que o
cinema tem recursos imensos. Eu
obtive, porém, minha educação
pelos livros. As minhas impressões mais profundas estão relacionadas a escritores e pintores.
Tal como foi imaginado na Europa em seus primórdios, o cinema
se tornou bem cedo um entretenimento e um negócio antes de se
tornar uma arte. Falando metaforicamente, os europeus levaram a
criança para o túmulo. O desenvolvimento seguinte do cinema
seguiu essa ordem. Se eu pudesse
voltar atrás em minha vida, teria
feito uma outra coisa.
Folha - O que pode ser a arte no
mundo da indústria cultural?
Sokurov - É difícil responder,
porque isso toca no interesse de
grandes massas de pessoas. Eu diria que a arte é um grande luxo.
De dois pontos de vista, e há apenas dois. O primeiro é o da criação. É preciso muito trabalho para criar uma obra de arte, não
apenas fisicamente, mas também
no sentido de formar a si próprio
e chegar a um determinado grau
de compreensão e de disciplina.
O segundo ponto é a recepção.
Receber, perceber e entender
uma obra de arte despende também um considerável esforço. Então, a arte é uma espécie de sistema fechado. Mas existem portas
para entrar nesse sistema, que são
os sentimentos humanos. Podemos adquirir conhecimento por
meio do intelecto, mas há pouca
gente que tem intuição e está
aberta para os sentimentos. Para
as pessoas, é muito difícil obter
coisas apenas do mundo interior.
Elas têm sempre que receber coisas do exterior. Por isso aceitam
tão grande quantidade de consumo visual. Ler é difícil.
Milhões de pessoas não têm força suficiente para ler um texto até
o final. Força, eu insisto. Olhar é
mais fácil, você pode entender
por si mesmo qualquer assunto.
A visão é um dom de Deus e não
requer nada das pessoas.
Folha - Haverá uma grande retrospectiva de sua obra na Mostra
de São Paulo, em outubro. O que é
o Brasil para o sr.?
Sokurov - Jorge Amado.
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