São Paulo, sexta-feira, 24 de agosto de 2001

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MÚSICA

Philip Glass bebe o sangue de DRÁCULA

Divulgação
Bela Lugosi em "Drácula' (de Todd Browning), que será projetado com acompanhamento da Philip Glass Ensemble



Compositor norte-americano chega em setembro para apresentações em SP, Rio e Porto Alegre, em que toca durante projeções do filme estrelado por Lugosi


FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Há 15 anos, um turista incomum frequenta anualmente o Carnaval carioca, com exceção deste. Muitas vezes, aluga um apartamento em Ipanema forrado de espelhos, tranca-se horas lá e fica apenas compondo músicas no piano.
Nos espelhos, o compositor norte-americano Philip Glass, 64, o tal turista, consegue ver seu reflexo, ao contrário do conde Drácula, personagem que o acompanha em sua próxima visita ao Brasil, em setembro.
O compositor apresenta-se em São Paulo, Rio e Porto Alegre, com o Philip Glass Ensemble, durante a projeção do filme "Drácula" (1931), de Todd Browning, estrelado por Bela Lugosi. Há 25 anos, Glass cria trilhas para filmes. O cult "Koyaanisqatsi", de Geofrey Reggio, é um dos mais conhecidos. Juntos, diretor e músico, preparam agora o terceiro filme da série.
Glass considera-se um "amigo" do Brasil. Não é para menos. Criou "Dias e Noites de Rocinha", sua visão sobre a favela carioca, "Itaipu", inspirado na usina hidrelétrica, com texto em guarani (organizado por Daniela Thomas e Marcelo Tassara), e ainda a trilha de "Sete ou Oito Peças para um Ballet", junto com o Uakti, para o grupo Corpo, entre outras produções.
Além do Rio, anualmente Glass passa uma temporada na Nova Escócia, no Canadá. Foi de lá que, por telefone, o compositor conversou com a Folha sobre Drácula, o Brasil e sua nova produção com Reggio. Leia a seguir os melhores trechos:

Folha - Acabo de falar com Daniela Thomas para pedir dicas para a entrevista...
Philip Glass -
Ah, então você não precisa fazer a entrevista, ela sabe muito sobre mim...

Folha - Mas ela ainda não assistiu à sua performance em "Drácula". Por que musicar o filme?
Glass -
Foi um convite da Universal. O filme original, de 1931, não possuía trilha sonora, apenas diálogos. Naquela época, não havia compositores que criavam trilha, apenas pianistas que acompanhavam de forma improvisada a exibição do filme. Recebi a proposta de escolher entre três filmes: "Frankenstein", "A Múmia" ou "Drácula", todos realizados no mesmo período.

Folha - E por que "Drácula"?
Glass -
Há duas razões. Primeiro pela participação do ator Bela Lugosi. Seu personagem é tão brilhante e sua imagem na tela é tão forte e emocional que seria fácil compor a partir de sua atuação. Em segundo lugar, a temática de "Drácula" é ótima. Ela trata de imortalidade e amor, temas importantes no século 20. Fui ler o livro original de Bram Stoker, escrito para ser popular, e percebi que poderia trabalhar ainda mais essa temática.
O filme é feito a partir de uma versão teatral que Lugosi interpretou na Inglaterra por três anos, antes de rodar o filme, o que pode ser visto claramente. Há uma grande influência da encenação teatral no filme. Como tenho realizado vários trabalhos teatrais, achei que essa seria uma maneira de reunir tudo.

Folha - Apresentá-lo ao vivo era a idéia da Universal?
Glass -
Não creio, eles pretendiam lançar apenas um vídeo com o trabalho, o que foi feito, e mostraram-se bastante surpresos. Mas, como tenho realizado uma séria de performances com projeções ao vivo, acho que eles poderiam deduzir isso também...

Folha - Apesar de suas composições estarem mais para o universo clássico, você pode ser considerado também um pop star...
Glass
- (Risos) Não me imagino assim. Mas acho que tem a ver com o fato de minha música não ter sido aceita pelo mundo acadêmico há 30 anos. Assim, naquela época, eu tocava em galerias ou clubes, o que me aproximou bastante da música pop, como quando tocava com David Bowie.
Mas também sempre me preocupei muito com a audiência, o que tem a ver minha personalidade. Não faço música para um gueto, mas para tornar o mundo mais agradável, mais alegre. Desde meus 20 anos, me preocupo em alcançar um grande público.

Folha - De fato, seu trabalho é como uma porta aberta...
Glass -
Sim, e gosto muito disso. Não é necessário nenhum background para entrar no meu universo... Pode esperar um minuto? Outro telefone está tocando.

Folha - Sim.
Glass -
(alguns segundos depois) Desculpe, era o diretor Geofrey Reggio. Estamos trabalhando em uma nova produção, que deve ficar pronta em abril.

Folha - Continuação de "Koyaanisqatsi"?
Glass -
Sim, vai se chamar "Naqoyqatsi". Acho que será bem interessante. Ele será sobre tecnologia digital e internet, um filme impossível de ser feito dez anos atrás.

Folha - Há 15 anos você vem regularmente ao Brasil...
Glass -
Só não vim neste. Como fevereiro é muito frio em Nova York, o Rio é o lugar perfeito para se estar. Já escrevi muitas músicas lá. Sei dos problemas do Brasil, mas gosto da abertura das pessoas e da alegria de viver por aí, é um bom ambiente para criação.



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