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Montagem desperta escritor
COLUNISTA DA FOLHA
"Em suma, gostei do brinquedo, está bom?", disse Raduan
Nassar sobre ter participado de
perto da montagem de "Lavoura
Arcaica". Este é um caso raro em
que o escritor encontrou o diretor
ideal, e vice-versa. Em certos momentos, o entusiasmo de ambos
era o de dois meninos radicais.
É como se o diretor Luiz Fernando Carvalho tivesse dotado de
pilha o velho carrinho -o romance "Lavoura Arcaica", escrito
há quase 30 anos-, que já não
oferecia tanta atração sobre Raduan, o criador. "Escolhi "Lavoura" por ser um texto não-naturalista, uma expressão alimentada
pela radicalidade", diz. Ali, meninos, entenderam-se às mil maravilhas. Até num perfeccionismo
meio ranzinza os dois se parecem.
É um caso raro em que o filme
terá tanto impacto quanto o livro,
ainda que, para o espectador imediatista, possa padecer dos defeitos dos chamados "filmes de arte": longo, teatral, palavroso. No
âmbito pessoal, a comunhão entre obra literária e cinematográfica alterou, ao menos na montagem, o "metabolismo" de um Raduan nunca "exatamente alegre".
"É claro que o trabalho do Luiz
me proporcionou alegria, poxa,
isso não é pouco. Não sou exatamente muito alegre. Mas quando
há essa convergência, quando você recebe um aceno de alguém
que você nunca viu, sente que
saiu da sua solidão", diz Nassar.
Desde que o conheço (há uns
sete anos), nunca tinha visto Raduan tão envolvido num projeto
-que não fosse, é claro, plantar
feijão ou se preocupar, irritadiço,
com a alta do preço do concorrente feijão de Santa Catarina.
Pois ele foi uma espécie de co-autor do filme de Carvalho, que
costuma brincar: "Do romance,
entendo eu; do filme, quem entende é Raduan". De fato, ele participou da concepção da película
mais do que admite. Selton Mello
foi indicação dele, que se diz "noveleiro" assíduo: "Hoje nem tanto
porque durmo cedo, mas antes
via muita novela".
Mais importante ainda, talvez, é
que o filme tenha vindo energizar
um Raduan adormecido como
escritor. "Acho muito difícil deixar o que estou fazendo para voltar a ser escritor. Caí fora e perdi
os vínculos, motivações. Às vezes
penso: será que seria capaz de deixar o que faço e tentar uma reintegração na literatura? Acho quase
impossível. Mas de repente... Não
digo "desta água não vou beber"."
Na montagem de "Lavoura",
afirmou que só voltaria a escrever
se fosse sobre o tema da derrota
-a derrota a la Hemingway, em
"O Velho e o Mar", explicou, do
homem que batalha e batalha, experimenta a conquista, mas só
consegue mostrar ao mundo a
carcaça da vitória.
(MF)
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