São Paulo, segunda-feira, 24 de setembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DANÇA

Em pé de igualdade


Storm, dançarino alemão de hip hop, se apresenta hoje e amanhã em São Paulo, ao lado do grupo Discípulos do Ritmo


Divulgação
Um dos integrantes do Discípulos do Ritmo, grupo formado há dois anos em São Paulo


ANA FRANCISCA PONZIO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Na Alemanha, Niels Robitzky, mais conhecido como Storm, é considerado o rei da dança hip hop. Com quase 20 anos de carreira, ele concedeu status artístico a essa expressão praticada nas ruas dos grandes centros urbanos, pelos chamados B-Boys.
A convite do Instituto Goethe, Storm trabalhou nas últimas semanas com o grupo paulista Discípulos do Ritmo, dirigido por Frank Ejara. O resultado desse intercâmbio, a coreografia "Tá Limpo!", estréia hoje no Centro Cultural São Paulo, onde Storm também dança "Solo for Two".

Folha - Nos intercâmbios que realiza em diferentes países, você confirma que o hip hop é uma linguagem universal?
Storm -
Cada vez que chego a um lugar estranho, seja no Japão ou na África, me sintonizo imediatamente. Dançarinos de hip hop não têm problemas de linguagem porque nosso canal de comunicação é o movimento, pelo qual tentamos ser poéticos. Muitas vezes me sinto privilegiado, por exemplo, quando vejo, na rua onde moro, pessoas que foram presas por causa de drogas. Percebo então que eu tenho outra opção, que é o movimento, a dança, e que essa capacidade de expressão fica ainda melhor quando as pessoas a experimentam juntas.

Folha - Ao decidir ser dançarino de hip hop você sofreu preconceitos e dificuldades para se impor?
Storm -
Acho que todo mundo, de alguma forma, enfrenta preconceitos, e, na maioria das vezes, eu ignoro quem tem atitudes preconceituosas. No início de minha carreira, minha família dizia que dança hip hop não era trabalho, mas hoje meu pai reconhece que aprendeu muito comigo. Na sociedade atual, marcada pelo individualismo, é preciso trabalhar por si para ser reconhecido em cidades com milhões de habitantes, como São Paulo. No meio disso, cabe ao dançarino de hip hop dimensionar o tamanho de seu ambiente. Quando comecei a dançar, eu queria ser o rei do quarteirão, depois o rei do bairro e, à medida que me tornava conhecido, pensava que podia ser o rei da cidade, do país, do continente. Porém, com o tempo, compreendi que podia ir bem mais além ensinando o que sabia às novas gerações.

Folha - Você começou a dançar muito cedo?
Storm -
Acho que sempre dancei em minha vida. Meu pai era músico de jazz, minha mãe às vezes dançava quando estava cozinhando, e esse ambiente me animava. Na adolescência, depois de ver o filme "Grease", eu, minha namorada e um amigo tentávamos dançar como John Travolta e Olivia Newton-John. Mas o grande impacto foi quando vi B-Boys nas ruas, dançando apoiados na cabeça e nas costas. Aquilo me pareceu muito louco e eu pensei: "Quero aprender a fazer isso"! Daí fui conhecendo gente do meio, me enturmando, aprendendo. Também queria impressionar as garotas e nunca mais parei.

Folha - Qual a situação da dança hip hop na Alemanha?
Storm -
Berlim, onde moro, é a mais cruel das cidades alemãs. Não oferece suporte para os dançarinos e é o contrário de Paris, onde as entidades culturais do governo estimulam a prática e o desenvolvimento do hip hop. Em Berlim, você tem que se valer por si e se esforçar muito para obter informação. Já no sul da Alemanha é diferente, lá há mais dinheiro, e em metrópoles como Stuttgart o hip hop é muito forte.

Folha - Na França, a dança hip hop já é exibida em teatros de ópera. Você acha isso importante?
Storm -
Nesses ambientes, a dança hip hop costuma provocar curiosidade. À medida que o público dos teatros de ópera se sente estimulado a se informar melhor a respeito, a dança hip hop acaba se firmando e conquistando reconhecimento. Mas, para o dançarino, o mais importante é preservar o hip hop como um estilo de vida, uma mentalidade, uma energia, um estado de espírito.

Folha - Nos últimos tempos, o hip hop tornou-se fonte de inspiração e referência para vários coreógrafos contemporâneos, como José Montalvo, da França. O que você acha desses cruzamentos com outros estilos de dança?
Storm -
Gosto das combinações de Montalvo porque ele não tenta mudar a atitude do hip hop. Mas há companhias contemporâneas que às vezes nos dizem: "Agora você está num outro tipo de palco e tem de se comportar de maneira diferente". É quando o hip hop perde o seu espírito verdadeiro, e aí eu prefiro estar fora desses grupos e dos teatros convencionais. Também já me disseram que não sou suficientemente intelectual porque minhas abordagens da dança são simples. Daí eu digo para essas pessoas: "Então façam o que estou fazendo". É claro que elas não conseguem, porque nossa movimentação é complexa.


SOLO FOR TWO & TÁ LIMPO! - Coreografias de Storm com participação do Discípulos do Ritmo. Onde: Centro Cultural São Paulo -°sala Adoniran Barbosa (r. Vergueiro, 1.000, tel. 0/xx/11/3277-3611). Hoje e amanhã, às 19h. Entrada franca.


Texto Anterior: Barbara Gancia: Será que o Pelé assiste ao programa do Pelé?
Próximo Texto: Peça é intercâmbio com Brasil
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.