São Paulo, quinta, 24 de setembro de 1998

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Peça destaca trabalho do ator

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

"Arte" ("Art", no original francês) é de certa maneira tão tradicional quanto a anacrônica crítica que se faz, na própria peça, à arte moderna.
Em sinopse, Marc (Marcos, na montagem brasileira) se revolta com o velho amigo Serge (Sérgio), porque este comprou por uma fortuna -todo o seu dinheiro- um quadro inteiramente branco, o que Marc, um conservador que afirma preferir a arte figurativa, abomina.
Uma boa discussão, talvez um século atrás, até meio século atrás. Hoje soa artificial, fora de lugar, apesar das referências obsessivas e em grande parte enganosas à desconstrução.
Mas é esse anacronismo do debate formal, do quadro, que está também no desenho todo correto e anacrônico do texto escrito pela autora francesa (nascida no Irã) Yasmina Reza.
É uma comédia de costumes inteligente, rápida, que escorre "wit", ironia, mas não muito diferente das comédias de costumes inteligentes que faziam a glória do teatro comercial, tanto em Paris como em Londres ou Nova York, um século ou meio século atrás.
Estranhamente, com todo o seu conservadorismo, "Arte" foi escrita originalmente com alguma influência de Samuel Beckett: eram só dois personagens, depois ampliados para três, e antes "clowns" do que personagens, antes arquétipos.
O que "Arte" tem de singular, se chega a isso, é o retrato exato que faz da amizade masculina -de crueldades e infantilidades, de hipocrisia e fidelidade.
A autora diz que escreveu a partir das conversas que acompanhou de seus próprios amigos homens: chegavam todos a um restaurante ou bar e logo ela era esquecida pelos amigos, que passavam a um jogo fechado de poder e esgrima verbal. Ela, a observadora, levou os diálogos para o papel.
Como se disse, mais do que personagens, Marc, o conservador truculento, Serge, o liberal defensivo, e Yvan, o submisso que busca mitigar os conflitos, são arquétipos masculinos.
Não é difícil ao espectador homem, nos poucos traços com que os três são construídos, identificar-se com um ou outro, em momentos diversos; não é difícil reconhecer situações já vividas, como se estivesse ali um espelho da realidade.
Em suma, "Arte" é daquelas peças que um espectador normalmente reativo ao teatro assiste e sai dizendo "isso sim é que é bom teatro" ou coisa semelhante. A descrição pode parecer pouco meritória, mas "Arte" é uma bela de uma peça.
Seus diálogos crescem para uma violência rara, permitindo aos atores, sobretudo aos intérpretes do irascível Marc, atuações consagradoras e invariavelmente premiadas. Até Yvan, o mais espezinhado dos três, tem seu grande momento, talvez o melhor da peça, numa longa fala sobre a lista de convidados de seu casamento.
"Arte", pelo mundo, já estabeleceu ou restabeleceu a arte de Jean-Louis Trintignant em Paris, Albert Finney e Tom Courtenay em Londres, Alan Alda e Alfred Molina em Nova York, Oscar Martinez em Buenos Aires.



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