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Peça destaca trabalho do ator
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
"Arte" ("Art", no original
francês) é de certa maneira tão
tradicional quanto a anacrônica crítica que se faz, na própria
peça, à arte moderna.
Em sinopse, Marc (Marcos,
na montagem brasileira) se revolta com o velho amigo Serge
(Sérgio), porque este comprou
por uma fortuna -todo o seu
dinheiro- um quadro inteiramente branco, o que Marc, um
conservador que afirma preferir a arte figurativa, abomina.
Uma boa discussão, talvez
um século atrás, até meio século atrás. Hoje soa artificial, fora
de lugar, apesar das referências
obsessivas e em grande parte
enganosas à desconstrução.
Mas é esse anacronismo do
debate formal, do quadro, que
está também no desenho todo
correto e anacrônico do texto
escrito pela autora francesa
(nascida no Irã) Yasmina Reza.
É uma comédia de costumes
inteligente, rápida, que escorre
"wit", ironia, mas não muito
diferente das comédias de costumes inteligentes que faziam a
glória do teatro comercial, tanto em Paris como em Londres
ou Nova York, um século ou
meio século atrás.
Estranhamente, com todo o
seu conservadorismo, "Arte"
foi escrita originalmente com
alguma influência de Samuel
Beckett: eram só dois personagens, depois ampliados para
três, e antes "clowns" do que
personagens, antes arquétipos.
O que "Arte" tem de singular,
se chega a isso, é o retrato exato
que faz da amizade masculina
-de crueldades e infantilidades, de hipocrisia e fidelidade.
A autora diz que escreveu a
partir das conversas que acompanhou de seus próprios amigos homens: chegavam todos a
um restaurante ou bar e logo
ela era esquecida pelos amigos,
que passavam a um jogo fechado de poder e esgrima verbal.
Ela, a observadora, levou os
diálogos para o papel.
Como se disse, mais do que
personagens, Marc, o conservador truculento, Serge, o liberal defensivo, e Yvan, o submisso que busca mitigar os conflitos, são arquétipos masculinos.
Não é difícil ao espectador
homem, nos poucos traços
com que os três são construídos, identificar-se com um ou
outro, em momentos diversos;
não é difícil reconhecer situações já vividas, como se estivesse ali um espelho da realidade.
Em suma, "Arte" é daquelas
peças que um espectador normalmente reativo ao teatro assiste e sai dizendo "isso sim é
que é bom teatro" ou coisa semelhante. A descrição pode parecer pouco meritória, mas
"Arte" é uma bela de uma peça.
Seus diálogos crescem para
uma violência rara, permitindo
aos atores, sobretudo aos intérpretes do irascível Marc, atuações consagradoras e invariavelmente premiadas. Até Yvan,
o mais espezinhado dos três,
tem seu grande momento, talvez o melhor da peça, numa
longa fala sobre a lista de convidados de seu casamento.
"Arte", pelo mundo, já estabeleceu ou restabeleceu a arte
de Jean-Louis Trintignant em
Paris, Albert Finney e Tom
Courtenay em Londres, Alan
Alda e Alfred Molina em Nova
York, Oscar Martinez em Buenos Aires.
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