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"BERGMAN COMPLETO"
Filme vê intimidade
do diretor
CRÍTICO DA FOLHA
Bergman era um jovem e intratável diretor estreante e
Victor Sjöstrom, o homem encarregado de domar o gênio do rapaz, a voz da experiência. Quem
conta a história do primeiro encontro entre os dois gênios do cinema sueco é um velho solitário e
nostálgico, parecido com o personagem que Sjöstrom interpretou
na obra-prima bergmaniana
"Morangos Silvestres". Um senhor chamado Ingmar Bergman.
Senhor que a diretora Marie
Nyreröd vem tirar, docemente, da
solidão no documentário "Bergman Completo", uma viagem
sentimental pela vida e obra do
artista sueco, dividida em três
partes para a TV ("Bergman e o
Cinema", "Bergman e o Teatro",
"Bergman e a Ilha de Farö"). Uma
rara oportunidade de ver Bergman, 87, perfeitamente desarmado, à vontade para fazer suas "conexões diretas com a infância" e
falar dos seus demônios.
"Foram necessários muitos
anos de dedicação para captar o
universo de Bergman e chegar a
esse nível de intimidade", disse
Nyreröd, de um hotel em São
Paulo, em entrevista à Folha. A
diretora vinha acostumando
Bergman com a idéia desde 1983.
O personagem que seu documentário revela é o de um homem coerente com a própria
obra, um velho artista auto-exilado na paisagem de seus filmes (a
ilha de Farö), preso entre o mundo de sua infância (seu tempo
perdido) e o instante de sua morte. Um velho homem solitário,
mas muito povoado por dentro,
que aprendeu, depois de muitos
ensaios, a esperar serenamente o
seu encontro com a morte.
É esse clássico roteiro bergmaniano, de infância, de amor e de
morte, que Nyreröd reencena. As
duas primeiras partes de seu filme
começam nas experiências estéticas da infância (o teatro de títeres
que Bergman dividia com a irmã,
o cinematógrafo que conseguiu
trocar com o irmão por um punhado de soldados de chumbo) e
terminam com o diretor falando,
ainda uma vez, o que pensa de
Deus e da morte.
É Bergman, em sua disposição
para se abrir, quem fura o esquema, emprestando ao filme muitas
vezes um tom proustiano, especialmente na última parte. Na casa em que se encastelou, em Farö,
ele faz do inventário de objetos e
fantasmas de seu passado uma
discreta cerimônia de adeus. Apaziguado como artista (""Persona"
e "Gritos e Sussurros" foi o mais
longe que cheguei", diz ele) e como homem, até mesmo com a
culpa de ter sido um pai ausente,
Ingmar Bergman já não fala da
morte com a velha angústia.
(TIAGO MATA MACHADO)
Ingmar Bergman Completo
Direção: Marie Nyreröd
Quando: hoje, às 18h, no Espaço
Unibanco; amanhã, às 15h30, no Frei
Caneca Unibanco Arteplex; e dia 29/10,
às 20h20, no Cineclube Vitrine
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