São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 2005

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"BERGMAN COMPLETO"

Filme vê intimidade do diretor

CRÍTICO DA FOLHA

Bergman era um jovem e intratável diretor estreante e Victor Sjöstrom, o homem encarregado de domar o gênio do rapaz, a voz da experiência. Quem conta a história do primeiro encontro entre os dois gênios do cinema sueco é um velho solitário e nostálgico, parecido com o personagem que Sjöstrom interpretou na obra-prima bergmaniana "Morangos Silvestres". Um senhor chamado Ingmar Bergman.
Senhor que a diretora Marie Nyreröd vem tirar, docemente, da solidão no documentário "Bergman Completo", uma viagem sentimental pela vida e obra do artista sueco, dividida em três partes para a TV ("Bergman e o Cinema", "Bergman e o Teatro", "Bergman e a Ilha de Farö"). Uma rara oportunidade de ver Bergman, 87, perfeitamente desarmado, à vontade para fazer suas "conexões diretas com a infância" e falar dos seus demônios.
"Foram necessários muitos anos de dedicação para captar o universo de Bergman e chegar a esse nível de intimidade", disse Nyreröd, de um hotel em São Paulo, em entrevista à Folha. A diretora vinha acostumando Bergman com a idéia desde 1983.
O personagem que seu documentário revela é o de um homem coerente com a própria obra, um velho artista auto-exilado na paisagem de seus filmes (a ilha de Farö), preso entre o mundo de sua infância (seu tempo perdido) e o instante de sua morte. Um velho homem solitário, mas muito povoado por dentro, que aprendeu, depois de muitos ensaios, a esperar serenamente o seu encontro com a morte.
É esse clássico roteiro bergmaniano, de infância, de amor e de morte, que Nyreröd reencena. As duas primeiras partes de seu filme começam nas experiências estéticas da infância (o teatro de títeres que Bergman dividia com a irmã, o cinematógrafo que conseguiu trocar com o irmão por um punhado de soldados de chumbo) e terminam com o diretor falando, ainda uma vez, o que pensa de Deus e da morte.
É Bergman, em sua disposição para se abrir, quem fura o esquema, emprestando ao filme muitas vezes um tom proustiano, especialmente na última parte. Na casa em que se encastelou, em Farö, ele faz do inventário de objetos e fantasmas de seu passado uma discreta cerimônia de adeus. Apaziguado como artista (""Persona" e "Gritos e Sussurros" foi o mais longe que cheguei", diz ele) e como homem, até mesmo com a culpa de ter sido um pai ausente, Ingmar Bergman já não fala da morte com a velha angústia. (TIAGO MATA MACHADO)


Ingmar Bergman Completo
    
Direção:
Marie Nyreröd
Quando: hoje, às 18h, no Espaço Unibanco; amanhã, às 15h30, no Frei Caneca Unibanco Arteplex; e dia 29/10, às 20h20, no Cineclube Vitrine



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