São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 2005

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JAZZ

Wayne Shorter poupa palavras e toca o inexprimível

RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Você nem precisava ter estado lá para saber, mas acredite: a noite de sábado na versão paulistana do Tim Festival foi a grande noite de jazz do festival e o grande evento jazzístico do ano. (Bem diferente de sexta, em que o ecletismo comandou, trazendo um naipe de percussões latinas, um cantor de funk e blues de Nova Orleans e a sambista Dona Ivone Lara, a grande surpresa, com um show elegante e sofisticado.)
Afinal, o jazz chegou em São Paulo com a big band do saxofonista tenor Bob Mintzer, com 16 músicos sobre o palco, tocando arranjos suaves e interessantes, embora sem o ar de inovação que alguns haviam apregoado e lhe aferido. Na seqüência, apresentaram-se o guitarrista Russell Malone e o pianista Benny Green, para fazer um show em formação intimista, somente os dois, com intenso diálogo musical e suingue.
Mas a maior expectativa da noite era pela apresentação do saxofonista Wayne Shorter, principal nome da escalação jazz do festival. "Meu pai me falou que ele é a última lenda viva do jazz, que eu não podia perder", comentava o estudante Felipe Navarro, 17.
Quando apareceu no palco com seu quarteto, Shorter foi aplaudido de pé pelo público. Agradeceu, poupou as palavras e ofereceu música. Tocando sax tenor e soprano, acompanhado de Danilo Perez ao piano, John Patitucci no baixo e Brian Blade na bateria, ele cumpriu sua promessa de tocar música para abrir a cabeça das pessoas. Nada ali era previsível. Em transe com os sons que criavam, os instrumentistas se mexiam tanto quanto a música, exceto por Shorter, no centro de tudo, com um sorriso de Mona Lisa.
Deixando os mais desavisados pelo caminho, a banda foi fazendo música ousada, tão cerebral quanto instintiva, sem soar hermética. Com infinitas dinâmicas, alternando entre suavidade e peso. Era impossível saber onde terminava a partitura e começava o improviso. Era uma espécie de free jazz "acertado", se é que isso faz sentido. Quando parecia que os músicos estavam indo cada um para um lado, eles se encontravam para provar que estavam juntos o tempo todo, nos mostrando novas possibilidades.
No auge da carreira, aos 72 anos, Shorter faz música muito grande para sua baixa estatura. Tentar descrever o entendimento superior de música que se demonstrou ali é apenas um exercício de busca de adjetivos para descrever o inexprimível. Não é que Shorter quebrou barreiras. Elas simplesmente nem existiram enquanto ele estava no palco.


Wayne Shorter:      

Russell Malone/Benny Green:    

Bob Mintzer Big Band:    


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