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Crítica/ "35 Doses de Rum"
Denis investiga relação de pai e filha
Cineasta francesa homenageia o japonês Yasujiro Ozu em "35 Doses de Rum", filme que é viagem plácida e melancólica
RICARDO CALIL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Os filmes da francesa
Claire Denis, como
"Beau Travail" (1999),
"Desejo e Obsessão" (2001) e
"O Intruso" (2004), costumam
ser viagens sensoriais vertiginosas, embaladas por imagens
e músicas oníricas, personagens tomados por sentimentos
exacerbados, narrativas fragmentadas e elípticas.
Seu novo filme, "35 Doses de
Rum", é também uma viagem,
mas plácida, agridoce, melancólica. Talvez seja seu trabalho
mais acessível, de trama mais
linear. Fácil? Jamais. Denis
acredita profundamente em
um cinema no qual os significados são formados por cada espectador, em vez de oferecidos
prontos pelo diretor.
"35 Doses de Rum" é uma homenagem ao cineasta japonês
Yasujiro Ozu (1903-1963), o
que significa dizer que se mostra menos interessado nos
grandes lances do destino do
que nos pequenos ritos do cotidiano. Como em "Pai e Filha"
(1949), o clássico de Ozu, o filme se centra na relação entre
uma jovem mulher e seu pai
viúvo; no lugar de Tóquio, os
subúrbios de Paris.
Ali vivem o condutor de trem
Lionel (Alex Descas) e sua filha
Josephine (Mati Diop), que
perderam respectivamente
mulher e mãe há muitos anos.
Em vez da família disfuncional
de tantos filmes contemporâneos, temos aqui a ideia do lar
como um abrigo para se proteger da solidão da metrópole, repleto de gestos singelos de afeto: o pai que compra uma panela japonesa para a filha, a filha
que calça os chinelos do pai.
Como vizinhos e melhores
amigos, eles têm a taxista Gabrielle (Nicole Dogue), ex-namorada de Lionel, e o órfão Noé
(Gregoire Colin), apaixonado
por Josephine. Os dois são como parentes queridos, mas demasiado próximos, que paradoxalmente ameaçam a harmonia
do núcleo pai e filha.
Pois o drama de Lionel e Josephine é justamente a consciência de que seu refúgio não é
hermético, nem eterno. Como
um personagem coadjuvante
diz aos dois, "o mundo todo está com medo de sofrer".
Mesmo com a ação rarefeita,
mesmo com o mínimo de diálogos, Denis consegue dar conta
de um sentimento tão essencial
e complexo quanto o amor entre pai e filha. Esse talento fica
evidente numa cena antológica, em que Lionel, Josephine,
Gabrielle e Noe dançam num
bar ao som de "Night Shift", dos
Commodores. Toda teia de
amor, medo, desejo e ciúme
-que une e imobiliza esses personagens- é revelada apenas
com as trocas de olhares.
Denis fez um filme à altura da
obra de Ozu e ainda mais belo
que "Café Lumière" (2003), do
taiwanês Hou Hsiao-Hsien, outra homenagem recente ao
mestre japonês. Com seu novo
trabalho, a diretora de 61 anos,
ex-assistente de Wim Wenders, confirma-se como um dos
nomes mais fascinantes do cinema contemporâneo. Não há
nada como começar uma Mostra com uma obra-prima. E "35
Doses de Rum" é isso.
35 DOSES DE RUM
Quando:
hoje, às 13h30, no Cinesesc, e
em outros três dias
Avaliação:
ótimo
Classificação:
14 anos
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