São Paulo, quinta-feira, 24 de novembro de 2005

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ERUDITO

"Condor", condensada ópera de tenor, não era apresentada no Teatro Municipal paulistano desde a década de 20

Ressurge ópera esquecida de Carlos Gomes

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

"Condor", a última ópera escrita por Carlos Gomes (1836-1896), estréia amanhã no Teatro Municipal, onde não é montada desde a década de 20. É uma produção do Festival Amazonas de Ópera, que a encenou em 2002.
As cinco récitas serão regidas por Luiz Fernando Malheiro, diretor artístico do festival. A direção cênica é de Caetano Vilela. No elenco, estão Marcelo Vannucci (Condor), Eiko Senda (Odalea), Solange Siquerolli (Adin), José Gallisa (Almazor), Sílvia Tessuto (Zuleida) e Carlos Eduardo Marcos (Mufti). A história se passa em Samarcanda, no Uzbequistão, e traz os ingredientes exóticos que os italianos atribuíam ao islamismo oriental no final do século 19.
Condor não é o pássaro dos Andes. É um aventureiro -em verdade, o filho de um sultão-, que se apaixona pela rainha Odalea e, por ela, sacrifica sua vida no final do terceiro ato. O enredo é relativamente simples, com a clássica mistura de política com história de amor de desfecho infeliz.
A ópera estreou no Scala de Milão em fevereiro de 1991. Carlos Gomes já era um dos grandes da produção lírica italiana, desde "Il Guarany", 21 anos antes. Mas "Condor" foi um relativo fracasso. Não pela falta de qualidades cênicas ou musicais. Mas porque se discutia a sucessão de Giuseppe Verdi (que morreria dez anos depois) e um poderoso lobby nacionalista não queria que o eleito fosse um mulato brasileiro.
Eis trechos da entrevista do maestro Malheiro à Folha.

 

Folha - Como última ópera, "Condor" teria a dimensão de síntese?
Luiz Fernando Malheiro -
Carlos Gomes passou a vida procurando novos caminhos. Dele se escreveu certa vez que sua vida não acabou; foi interrompida. "Condor" caminha a todo galope para o verismo [escola naturalista italiana]. Ela aponta na direção do caminho que seria trilhado por Mascagni, por Puccini.

Folha - Carlos Gomes lança mão do orientalismo, que Puccini usaria na "Butterfly" e em "Turdandot".
Malheiro -
Era uma questão de moda, na época. Os libretos não tinham muita preocupação histórica, desde que se prestassem para escrever boa música.

Folha - E "Condor", como é musicalmente?
Malheiro -
É uma ópera muito concisa, muito estruturada. Os temas são muito mais desenvolvidos. É de uma beleza impressionante. Aquela criatividade melódica que Carlos Gomes sempre teve é explorada de maneira mais enxuta. É uma ópera curta, com menos de duas horas de música.

Folha - Não há também o acerto da melodia com o registro de voz, ou com o tipo de voz dentro do registro?
Malheiro -
Carlos Gomes era muito interessado em voz. Gostava também de cantar. Contam que ele fazia torneios de agudos com os amigos. "Condor" é uma ópera de tenor, sem dúvida.

Folha - Carlos Gomes também adota a música contínua, com apenas duas árias. Já não é como em "Falstaff", de Verdi?
Malheiro -
Ele já havia adotado essa forma de escrita em "Maria Tudor". Há o monólogo que viria com Ponchielli. Carlos Gomes já procurava havia tempos fugir dos padrões da ária. "Condor" é um poema vocal e sinfônico.

Folha - Pode-se dizer que em "Condor" o enredo seja pequeno em relação à grandeza da música?
Malheiro -
Quando regi a ópera em Manaus, discutiam-se muito as diferenças culturais, o que é próprio à mulher muçulmana, toda vestida, toda presa e excluída do universo masculino. Por questões políticas, as discussões sobre as diferenças estão ainda em voga.

Folha - O sr. regeu neste ano as quatro óperas do "Ring", de Richard Wagner. Depois dele, tudo não parece mais fácil?
Malheiro -
Pensei nisso esses dias. Depois do "Ring", eu regi a "Traviata", do Verdi, na Espanha, que me pareceu circunstancialmente menos interessante. Com o "Condor" já não tenho essa sensação. Há o desafio de não ter parâmetros de interpretação. A gente mexe com alguma coisa que não tem uma concepção definitiva, que estou trazendo à luz.


Condor
Onde:
Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/n, tel. 0/xx/11/3222-8698)
Quando: amanhã e terça, 1º e 3 de dezembro, às 20h30; dom., às 17h
Quanto: de R$ 40 a R$ 80, de R$ 10 a R$ 30 (no dia 1º)


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