São Paulo, quinta-feira, 24 de novembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÚSICA

Apresentação com mais de duas horas de duração atesta atualidade da obra do compositor de "Minha Namorada"

Lyra repassa sua carreira ao ganhar o Prêmio Shell

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Carlos Lyra levou a sério a informação de que estava recebendo o Prêmio Shell de Música pelo conjunto de sua obra. Fez na noite de terça-feira, na sala Cecília Meireles, no Rio, um show de duas horas e 20 minutos, interpretando 29 canções.
Embora um tanto cansativo como show, a apresentação serviu para mostrar a riqueza, a diversidade e o razoável poder de renovação da obra do compositor carioca, 66 anos de vida, 51 de carreira e, ao que parece, uma boa dose de futuro.
"Saliência" foi a palavra mais usada por Lyra nas suas muitas conversas com a platéia. Ao usá-la, ele queria dizer que faria no palco algo pouco esperado -ou que já tinha feito alguma surpresa ao compor determinada música.
As "saliências" foram responsáveis por alguns dos bons momentos do show, como a participação dos jovens do Bossacucanova em "Maria Moita" e "Aruanda" -a primeira com resultado bem superior ao da segunda.
Lyra cantou de pé e ensaiou passos de dança embalado pelos sons elétricos e eletrônicos do grupo. Pareceu livre de qualquer purismo em torno da bossa nova.
Logo em seguida, Marcos Valle subiu ao palco para mostrar seu arranjo para "Quem Quiser Encontrar o Amor", renovando a parceria de Lyra com Geraldo Vandré e mostrando como há muitas possibilidades abertas dentro da obra do autor.

Vinicius
Uma obra que se iniciou em 1954, quando o adolescente precoce compôs a intrincada "Quando Chegares". Ele a cantou terça-feira após duas introduções: um prelúdio para piano, "saliência" sua interpretada por Helvius Vilela; e "Minha Namorada", parceria com Vinicius de Moraes que é sua música mais conhecida.
"Vou homenagear um parceiro especial, que sou eu mesmo", disse ele, antes de "Quando Chegares" e "Maria Ninguém". Depois, enfileirou blocos dedicados a outros parceiros, a começar por Ronaldo Bôscoli.
"Entre as mais úmidas, eu selecionei algumas", brincou ele, contando que, ao se empolgar enquanto fazia uma letra, Bôscoli suava nas mãos.
Lyra cantou "Lobo Bobo", "Saudade Fez um Samba", "Se É Tarde, Me Perdoa" e "Canção para Morrer no Ar".
De Vinicius ele emendou "Você e Eu" e "Coisa Mais Bonita", e em seguida interpretou, entremeando com imitações do jeito de falar do poeta, três feitas para o musical "Pobre Menina Rica": "Samba do Carioca", "Sabe Você" e "Primavera".
Pode-se afirmar que as músicas citadas e mais "Marcha da Quarta-Feira de Cinzas" (também com Vinicius), que ele guardou para o final, são o melhor de Lyra, o que fica escrito na história.
Mas ele aproveitou a homenagem para mostrar parcerias com Gianfrancesco Guarnieri, Ruy Guerra, Dolores Duran (as duas feitas após a morte da compositora), Paulo César Pinheiro, Zé Keti, Millôr Fernandes, Chico Buarque e até mesmo Castro Alves e Machado de Assis. Recebeu no palco, entre outros artistas, Joyce, Elton Medeiros, Wanda Sá e Roberto Menescal.
O show caiu de ritmo, assim como a obra de Lyra se tornou irregular a partir de meados dos anos 60. Mas ela não deixou de produzir bons momentos e de buscar caminhos alternativos ao padrão da bossa nova. As "saliências" de Lyra também são premiáveis.


Texto Anterior: Erudito: Ressurge ópera esquecida de Carlos Gomes
Próximo Texto: Patrimônio: Publicação traz raridades de acervo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.