São Paulo, quinta-feira, 24 de novembro de 2005

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COMIDA

Com a proximidade das férias, escolas de culinária abrem cursos voltados para o público infantil

Lugar de criança é...

CRISTIANE LEONEL
DA REPORTAGEM LOCAL

A cozinha é um dos espaços em que as crianças podem vivenciar uma experiência que agrega divertimento e aprendizado (com cuidado), principalmente no período de férias, quando elas devem soltar a criatividade fora das tradicionais salas de aula .
Sabendo disso, algumas escolas de culinária criaram programas de aulas específicas para a criançada nos meses de dezembro e janeiro. É o caso, por exemplo, da Escola Wilma Kövesi de Gastronomia, em Pinheiros, que tem em sua grade o curso Crianças e Panelas, voltado para os pequenos com mais de nove anos.
Um dos alunos mais assíduos da Wilma é Ítalo Federico Neto, 11, que gosta de jogar futebol e fazer judô, mas vai para cozinha desde cedo, porque "é importante ser independente, e cozinhar faz parte da vida".
Como as aulas são sazonais na Wilma (somente nas férias), ele também pratica em casa, geralmente com o pai. Ao tentar cozinhar sozinho, acabou passando por uma experiência ruim: fez um pequeno corte no dedo ao fatiar um salame.
Algo que dificilmente aconteceria na escola, segundo a proprietária e professora Betty Kövesi: "Há uma auxiliar que ajuda na supervisão das crianças, e as aulas iniciam-se com uma introdução sobre os cuidados na cozinha".
Em algumas escolas, o uso de faca é proibido, como o Atelier Gourmand, nos Jardins, que oferece aulas para os pequenos desde 1999, e o Studio do Sabor, no Pacaembu, que há três anos recebe as crianças nos períodos de férias. Como ambas promovem cursos para crianças menores que as aceitas na escola de Betty (em geral de seis a dez anos), os cuidados são redobrados.
Vera Lúcia Xavier, gerente do Atelier, explica que as aulas acontecem em mesas montadas provisoriamente nos dias de aula, pois, na escola, as bancadas são projetadas para adultos. "Além disso, as receitas quase não vão ao fogo e ao forno. E, se vão, são os professores que lidam com o fogão."
Na cozinha experimental da Helô Escola de Culinária, na Vila Madalena, única escola que oferece cursos para crianças o ano todo, a estrutura é projetada especialmente para os pequenos. A bancada, onde estão também os fogões, tem cerca de 70 cm. Ainda há uma biblioteca só com livros infantis de gastronomia.

Passo-a-passo
Com livros e fogões ocupando o mesmo espaço, a aula na Helô começa com a apresentação da pauta do dia. "Hoje vamos fazer uma musse de framboesa, uma de roquefort e uma de chocolate", diz a professora, enquanto as crianças se programam para o "ritual": lavar as mãos, prender os cabelos e colocar os aventais.
O próximo passo é cada um preparar o seu "mise-en-place" de acordo com a apostila que recebem no início de cada aula, que contém os ingredientes, o preparo e os utensílios necessários.
Renata Douek, 13, é uma veterana na turma -freqüenta a escola há um ano e meio. Sua voz fina em nada tem a ver com a firmeza que mantém nas mãos. Enquanto fatia minuciosamente um grande pedaço de queijo roquefort, fala sobre o chef que admira: "Eu gosto daquele que faz gelatina quente, sabe?". É Ferran Adrià.
Apesar de Renata já ter alguns conhecimentos bem à frente da sua idade, como saber quem é Adrià (maior ícone da cozinha catalã, conhecido pelas suas invenções exóticas), seu universo ainda é brincar de ser chef nas aulas e tagarelar com a colega Beatriz Cardoso, da mesma idade. "Este queijo tem fungo, sabia?", diz Renata. "Não, ele é feito com ervas", rebate a amiga, que completa: "Mas as pessoas comem fungo? Eca!".
A professora ri, mas logo chama a atenção. "Prestem atenção, meninas. Vamos bater o chantilly. É preciso ficar de olho para não passar do ponto e virar manteiga."
Para bater as claras, a criançada põe força no braço, um exercício físico e tanto. "Ai, o braço dói", reclama uma das meninas. Enquanto isso, mais concentrado, o único menino da turma, Eduardo Geraldi Lacaz, 14, bate o creme com menos esforço. Ainda que a altura dos fogões já seja um pouco baixa para ele.
A altura da bancada é também um desafio para Isabela Mancusi, de apenas seis anos. A menina tem de subir no banquinho para cozinhar.
Desde os quatro, a garota pede a mãe levá-la para uma aula de culinária. "Como ela não tinha idade, fiquei enrolando e disse a ela que com seis ela poderia ir", conta a mãe, Karen Mancusi. No dia em que completou a "maioridade para fazer a aula de cozinha", a menina reivindicou seu direito. E já tem seus fãs. Entre eles, a proprietária da escola Heloísa Monteiro da Silva: "Ela tem uma mãozinha muito firme".


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