São Paulo, sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

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cinema

CRÍTICA DRAMA

"Poesia" é viagem felizmente prosaica ao mundo poético

Longa sul-coreano de Lee Chang-dong premiado em Cannes narra trajetória de mulher vítima de Alzheimer

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"Poesia" não é um filme poético. Não, pelo menos, no sentido desses filmes carregados de simbolismos, plenos de efeitos "artísticos", de pretensões à profundidade.
Mas, pode o espectador estar certo, sua poesia não está apenas no nome.
Acompanhamos ali o trajeto da simplória Mija (Yun Jeong-hie), uma senhora cuja ocupação central na vida consiste em dedicar-se a Wook, seu neto.
Tudo aí já vai mal: Wook é um mimado insuportável, entregue em tempo quase integral aos videogames.
Mas as coisas sempre podem piorar: logo sabemos que uma adolescente que se suicidou (na sequência inicial o seu corpo é encontrado) é do mesmo colégio de Wook. E, pouco depois, que Wook faz parte do grupo de estudantes que a estuprou.
Paralelamente, Mija descobre um grupo de ensino de poesia. Ensino de poesia é uma disciplina curiosa em si.
Como se ensina isso? A didática do professor, no entanto, faz sentido: parte do princípio de que produzir poesia começa pela observação do mundo.
Também faz muito sentido o fato de que o fundo do cenário onde são ministradas as aulas de poesia seja, justamente, a ponte de onde a jovem se atirou para morrer. Sinal definitivo de que Lee Chang-dong, autor deste filme, sabe o que faz e pensa no que faz.
Ou seja, para ele a poesia não é uma arte do alheamento ou do conforto. Quando o professor diz que é preciso observar as coisas, não está enunciando uma obviedade.
Trata-se de propor um caminho espiritual, que Mija deverá percorrer. Mas uma questão se insinua: terá condições de percorrê-lo? Pois o mal de Alzheimer já se insinua na protagonista.
Como se isso não bastasse, Mija tem de resolver o problema de Wook. Ou, antes, o seu próprio problema.
Os pais dos outros estupradores propõem que cada um pague uma soma considerável à mãe da garota morta, a fim de que ela não denuncie os estupradores.
Lee Chang-dong transfere ao espectador as questões que tanto inquietam sua protagonista: onde está a poesia e o que é poesia?
Não, certamente, nos simpáticos clubes de amantes da poesia que ela passa a frequentar, onde o nada e a vaidade se confundem. Não, ao que parece, na atenta observação da natureza (que já forneceu tanto assunto à arte, mas parece deslocada nesse quadro). Não nos pais que acobertam a iniquidade dos filhos.
Mas ela a encontrará, ou ao menos sairemos do cinema com a sensação de que é encontrável.
A trajetória de Mija será poética, sim, neste filme felizmente prosaico que recebeu o prêmio de melhor roteiro em Cannes 2010. Merecia mais. É um filme nessa linhagem de "As Coisas Simples da Vida", de Edward Yang. Parece fácil chegar lá, mas não é.

POESIA

DIREÇÃO Lee Chang-dong
PRODUÇÃO Coreia do Sul, 2010
COM Yun Jeong-hie, Lee Da-wit
ONDE nos cines Cinesesc e Reserva Cultural
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
AVALIAÇÃO ótimo


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