São Paulo, quarta, 25 de março de 1998

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OSCAR
Hollywood faz autodeclaração de amor

Associated Press
A cantora Madonna, uma das apresentadoras na noite do Oscar deste ano


AMIR LABAKI
em São Paulo

A consagração definitiva de "Titanic", empatando com "Ben-Hur" (1960) como o filme mais premiado da história do Oscar, representa a mais apaixonada autodeclaração de amor de Hollywood.
São duas Hollywoods distintas que produziram a dupla de recordistas. A de "Ben-Hur" vivia o ocaso da era dos grandes estúdios, uma máquina azeitada que cuidava de seus produtos da definição do argumento à qualidade da exibição no circuito próprio de salas.
A de "Titanic" é bem distinta, em que o controle vertical do processo de produção se perdeu, sendo substituído pelo império de estrelas, agentes, advogados e um cineasta-demiurgo: alguém como James Cameron.
O Oscar deste ano deve ser lido como uma resposta, quase arrogante, à crise revelada pelo do ano passado, quando se revelou a encruzilhada do cinema americano, dividido entre a ascensão dos independentes ("O Paciente Inglês", "Fargo") e o triunfo quantitativo, mas não qualitativo, das megaproduções de efeitos especiais ("Twister", "Independence Day").
Nada mais tolo do que etiquetar "Titanic" como membro do segundo grupo. Cameron fez carreira como um mago dos efeitos especiais, mas seus filmes nunca se limitaram a eles. Ele soube justificar dramaticamente os efeitos de que lançava mão. Os dois "Exterminador do Futuro" e "True Lies" vão além da mera pirotecnia.
Com "Titanic", a fórmula Cameron atinge seu ápice. O arsenal tecnológico serve exemplarmente a uma tragédia romântica. O resultado é a atualização dos grandes épicos do cinema clássico americano, cujo paradigma é mesmo "...E o Vento Levou" (1939). É a esse sentimento de restauração que Hollywood e as platéias do mundo responderam tão veementemente.
Antes de conquistar 11 Oscar, registre-se que "Titanic" arrecadou US$ 1,2 bilhão em todo o planeta. É a combinação dos dois resultados que permite a Cameron exclamar que é "o rei do mundo". Quem há de desmenti-lo?
"Titanic" perdeu apenas três dos 14 prêmios que disputava (atriz, atriz coadjuvante e maquiagem) -e foram todas derrotas merecidas. Pode-se polemizar em torno de não mais que dois de seus triunfos, o de melhor trilha para filme dramático (a de Philip Glass para "Kundun" é mais complexa) e o de melhor canção (todas fraquinhas, mas a de "Anastasia", "Journey to the Past", era melodicamente a mais graciosa). Falaram mais alto os rankings da Billboard.
No mais, apenas "Melhor É Impossível" manteve-se à tona, com a vitória dos intérpretes principais. Foi a piscadela da academia para a comédia romântica humanista. Curiosamente, Jack Nicholson pela terceira vez levou o Oscar acompanhado de igual sucesso de sua parceira de set. É a competição despertando a velha chama.
Helen Hunt repete Goldie Hawn e Cloris Leachman e salta para o estrelato fílmico a partir de uma série de TV de sucesso ("Mad About You"). É irresistível sua terna Jamie Buchman da telinha, mas é a matizada Carol Connely que a confirma como grande atriz.
Também com duas estatuetas -de menor impacto-, empataram "Los Angeles - Cidade Proibida" e "Gênio Indomável" . Apesar dos pesares, sobretudo do final patético, "L.A." merecia melhor companhia. O prêmio de roteiro adaptado foi um tapinha nas costas de Curtis Hanson (e Brian Helgeland), novo alforriado do clube dos diretores por encomenda. Já a vitória do roteiro de "Gênio", dos bons meninos (Affleck e Damon), foi o fora do ano.
A tradição de documentários sobre o anti-semitismo emplacou mais um Oscar com "The Long Way Home", numa decisão conservadora. Spike Lee era a carta da vez. Foi novamente esnobado. Está na boa companhia de Martin Scorsese, como lembrou o grande homenageado, Stanley Donen. Foi para ele o mais justo Oscar, e seu solo cantando "Cheek to Cheek" entra para a história da cerimônia. Aquilo é Hollywood.



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