São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 2006

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opinião

Reflexões sobre o anonimato da batata nacional

VINICIUS TORRES FREIRE
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

As gentes em geral sabem distinguir entre a banana-da-terra e a banana-maçã, embora já falsifiquem até as bananinhas-maçã, em extinção. Mas por que relegam as simpáticas e utilíssimas batatas ao anonimato? Sim, batatas têm nome e personalidade. Desprezadas, tratadas como qualquer uma, elas podem arruinar sua receita.
As gentes compram até fogões italianos de R$ 25 mil, mas pouco sabem dos ingredientes que usam, de batatas a foie gras. O cozinheiro antes de tudo tem de conhecer seus produtos. O resto se ajeita com uma faca afiada, uma panela de fundo grosso e uma colher de pau.
Batatas são ingredientes de base das cozinhas ocidentais. Joël Robuchon, o mestre cozinheiro francês, fez parte de sua fama com um purê de batatas perfeito.
Como tratar bem as batatas? Na França, chamando-as pelo nome. A gente sabe que uma "belle de Fontenay", de textura fina e firme, fica bem cozida ou gratinada.
No Brasil, a gente tem de ir a um feirante que ainda entenda do riscado e goste de seu produto. Nos mercados, as batatas são anônimas ou por vezes usam documentos falsos, como alerta o agrônomo Natalino Shimoyama, 46, 20 deles lidando com batatas, gerente-geral da Associação Brasileira da Batata. Sim, há batatas falsificadas, como se falsificam cachaças de Salinas, cafés ou mel.
Shimoyama e os bons produtores dizem que não se cumpre a lei da rotulagem da batata e tentam fazer com que os comerciantes expliquem no rótulo para que serve tal e qual tipo de batata.
A ágata, que faz de 50% a 60% da produção nacional fica bem se cozida, assada, ou gratinada. Mas não se transforma numa boa batata frita palito ou num bom purê.
A bintje é boa para fritura, purê e sopa. No Brasil, é apenas 2% da produção. A asterix, rosada, é multiuso, mas quase privilégio dos gaúchos, que as plantam. Aquelas de pacotes, pré-fritas e congeladas, são asterix ou bintjes.
Mas o que um cozinheiro pode fazer diante dessa "mélange adultère de tout", dessa mistura adúltera de todas as batatas, como diria Tristan Corbière se fosse um poeta dos fogões?
Perguntar na feira: para tal receita, qual batata usar?
Grosso modo, existem dois tipos de batatas: as pouco úmidas, com mais amido, as ditas farinhentas, e as mais úmidas, de textura lisa, fina, e menos amido. As farinhentas são boas para assar, purês e fritura; na água ou no vapor, tendem a desmanchar.
As mais lisas ficam bem se cozidas, ensopadas ou gratinadas. Mas há tipos temperamentais, que a gente só conhece mesmo cozinhando.
O nhoque pede batatas algo farinhentas, mas não muito. O grande chef Alain Ducasse usa bintjes nas suas receitas de nhoque (dica: não trabalhe demais a massa, ou ela vai ficar borrachenta).
Há um teste simples para saber se a batata é farinhenta ou não. Faça uma salmoura com uma parte de sal para 11 partes de água. Mergulhe as batatas na salmoura: a farinhenta, mais densa, afunda; as lisas ficam mais perto da superfície da água.
Não adianta ser enfim apresentado à batata e não cuidar dela. A moça não gosta de luz, umidade e geladeiras. Sob luz e calor, fica esverdeada. Tal cor indica excesso de solanina, que faz mal à saúde e tem gosto ruim. Os brotos verdes têm muita solanina também. Bote fora as batatas marcianas.


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