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opinião
Reflexões sobre o anonimato da batata nacional
VINICIUS TORRES FREIRE
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
As gentes em geral sabem
distinguir entre a banana-da-terra e a banana-maçã,
embora já falsifiquem até as
bananinhas-maçã, em extinção. Mas por que relegam as
simpáticas e utilíssimas batatas ao anonimato? Sim, batatas têm nome e personalidade. Desprezadas, tratadas
como qualquer uma, elas podem arruinar sua receita.
As gentes compram até fogões italianos de R$ 25 mil,
mas pouco sabem dos ingredientes que usam, de batatas
a foie gras. O cozinheiro antes de tudo tem de conhecer
seus produtos. O resto se
ajeita com uma faca afiada,
uma panela de fundo grosso
e uma colher de pau.
Batatas são ingredientes
de base das cozinhas ocidentais. Joël Robuchon, o mestre cozinheiro francês, fez
parte de sua fama com um
purê de batatas perfeito.
Como tratar bem as batatas? Na França, chamando-as pelo nome. A gente sabe
que uma "belle de Fontenay", de textura fina e firme,
fica bem cozida ou gratinada.
No Brasil, a gente tem de ir
a um feirante que ainda entenda do riscado e goste de
seu produto. Nos mercados,
as batatas são anônimas ou
por vezes usam documentos
falsos, como alerta o agrônomo Natalino Shimoyama, 46,
20 deles lidando com batatas, gerente-geral da Associação Brasileira da Batata. Sim,
há batatas falsificadas, como
se falsificam cachaças de Salinas, cafés ou mel.
Shimoyama e os bons produtores dizem que não se
cumpre a lei da rotulagem da
batata e tentam fazer com
que os comerciantes expliquem no rótulo para que serve tal e qual tipo de batata.
A ágata, que faz de 50% a
60% da produção nacional fica bem se cozida, assada, ou
gratinada. Mas não se transforma numa boa batata frita
palito ou num bom purê.
A bintje é boa para fritura,
purê e sopa. No Brasil, é apenas 2% da produção. A asterix, rosada, é multiuso, mas
quase privilégio dos gaúchos,
que as plantam. Aquelas de
pacotes, pré-fritas e congeladas, são asterix ou bintjes.
Mas o que um cozinheiro
pode fazer diante dessa "mélange adultère de tout", dessa mistura adúltera de todas
as batatas, como diria Tristan Corbière se fosse um
poeta dos fogões?
Perguntar na feira: para tal
receita, qual batata usar?
Grosso modo, existem dois
tipos de batatas: as pouco
úmidas, com mais amido, as
ditas farinhentas, e as mais
úmidas, de textura lisa, fina,
e menos amido. As farinhentas são boas para assar, purês
e fritura; na água ou no vapor, tendem a desmanchar.
As mais lisas ficam bem se
cozidas, ensopadas ou gratinadas. Mas há tipos temperamentais, que a gente só conhece mesmo cozinhando.
O nhoque pede batatas algo farinhentas, mas não muito. O grande chef Alain Ducasse usa bintjes nas suas receitas de nhoque (dica: não
trabalhe demais a massa, ou
ela vai ficar borrachenta).
Há um teste simples para
saber se a batata é farinhenta
ou não. Faça uma salmoura
com uma parte de sal para 11
partes de água. Mergulhe as
batatas na salmoura: a farinhenta, mais densa, afunda;
as lisas ficam mais perto da
superfície da água.
Não adianta ser enfim
apresentado à batata e não
cuidar dela. A moça não gosta de luz, umidade e geladeiras. Sob luz e calor, fica esverdeada. Tal cor indica excesso de solanina, que faz
mal à saúde e tem gosto
ruim. Os brotos verdes têm
muita solanina também. Bote fora as batatas marcianas.
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