|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Crítica/rock
Amparado em suas memórias, McCartney soa ainda mais atual
Músico se equilibra habilmente entre ânsia de renovação e mito que encarna
MÁRVIO DOS ANJOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Às vésperas de completar
65 anos, Paul McCartney afirmou que seu
novo disco, "Memory Almost
Full", só recebeu esse nome depois de pronto. Nas palavras do
ex-beatle, foi o título que melhor sintetizou o sentido, o tema que o álbum revelou ter durante o seu processo de composição. "Na vida moderna, nossos cérebros muitas vezes ficam um pouco sobrecarregados", escreveu o músico sobre o
trabalho.
Musicalmente, não há dúvidas sobre isso. As recordações
de um dos principais artífices
do que hoje chamamos de cultura pop, com passagens até
por projetos de cunho erudito,
obviamente não são poucas.
Mas, mesmo que o próprio
McCartney assuma um certo
memorialismo, o álbum nada
tem de passadista. Sob a produção de David Kahne -que sucede no posto o ótimo Nigel Godrich, responsável por "Chaos
and Creation on the Backyard"-, tem-se um disco de
rock que fala claramente ao
presente.
E mesmo que haja todo um
peso histórico toda vez que seu
nome é pronunciado, é preciso
ouvir "Memory Almost Full"
exatamente como ele é: um disco produzido em 2007, perfeitamente audível pelos que o
testemunham.
Na abertura, temos "Dance
Tonight". Faixa curiosa, que
proclama "Todo mundo vai
dançar hoje à noite", guiada por
bandolins e remetendo ao clássico beatle "Blackbird".
Parece até uma ironia do próprio McCartney que ela seja
imediatamente seguida por
"Ever Present Past", uma canção que os escoceses do incensado Franz Ferdinand não teriam grandes problemas em
gravar: riff anguloso, batida binária, melodia fácil, arquétipo
do que se convencionou chamar de "novo rock".
Não que Paul esteja tentando
se modernizar, o que poderia
significar uma violência a si
mesmo. Faz sentido que "Only
Mama Knows", rockão áspero,
de bateria reta e timbre cheio,
saturado, tenha um arranjo de
cordas neto de "Eleanor
Rigby". E que, depois, o disco
prossiga com a melancolia minimalista de "You Tell Me".
Faz sentido porque, no fundo, Paul é a "tradição" que chegou viva a 2007. Ou seja, é obrigado a fazer sua necessidade artística de superação dialogar
com tudo o que ele mesmo representa. E ainda se sentir criativamente vivo, mesmo que
seus momentos com John,
George e Ringo o ofusquem para sempre.
McCartney colhe desse diálogo grandes momentos. Além
das já citadas, "Gratitude" e a
blueseira "That Was Me" -que
abre a seqüência mais memorialista do disco- provam que a
voz dele, incrivelmente, não
envelheceu nada. Quando a 13ª
e última canção, a explosiva
"Nod Your Head" expira, já não
restam quaisquer dúvidas.
O terninho, o fardão, o bigode, a cabeleira, "Yesterday", os
tropeços com os Wings: nada
disso pesa em suas costas. Amparado pelas memórias, Paul fica mais atual.
MEMORY ALMOST FULL
Artista: Paul McCartney
Gravadora: Universal
Quanto: R$ 39
Avaliação: bom
Texto Anterior: CDs Próximo Texto: Crítica/MPB: Martinho promove belo sincretismo musical em novo CD Índice
|