São Paulo, sexta-feira, 25 de maio de 2007

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MÚSICA
Crítica/rock


Amparado em suas memórias, McCartney soa ainda mais atual

Músico se equilibra habilmente entre ânsia de renovação e mito que encarna

MÁRVIO DOS ANJOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Às vésperas de completar 65 anos, Paul McCartney afirmou que seu novo disco, "Memory Almost Full", só recebeu esse nome depois de pronto. Nas palavras do ex-beatle, foi o título que melhor sintetizou o sentido, o tema que o álbum revelou ter durante o seu processo de composição. "Na vida moderna, nossos cérebros muitas vezes ficam um pouco sobrecarregados", escreveu o músico sobre o trabalho.
Musicalmente, não há dúvidas sobre isso. As recordações de um dos principais artífices do que hoje chamamos de cultura pop, com passagens até por projetos de cunho erudito, obviamente não são poucas. Mas, mesmo que o próprio McCartney assuma um certo memorialismo, o álbum nada tem de passadista. Sob a produção de David Kahne -que sucede no posto o ótimo Nigel Godrich, responsável por "Chaos and Creation on the Backyard"-, tem-se um disco de rock que fala claramente ao presente.
E mesmo que haja todo um peso histórico toda vez que seu nome é pronunciado, é preciso ouvir "Memory Almost Full" exatamente como ele é: um disco produzido em 2007, perfeitamente audível pelos que o testemunham. Na abertura, temos "Dance Tonight". Faixa curiosa, que proclama "Todo mundo vai dançar hoje à noite", guiada por bandolins e remetendo ao clássico beatle "Blackbird". Parece até uma ironia do próprio McCartney que ela seja imediatamente seguida por "Ever Present Past", uma canção que os escoceses do incensado Franz Ferdinand não teriam grandes problemas em gravar: riff anguloso, batida binária, melodia fácil, arquétipo do que se convencionou chamar de "novo rock".
Não que Paul esteja tentando se modernizar, o que poderia significar uma violência a si mesmo. Faz sentido que "Only Mama Knows", rockão áspero, de bateria reta e timbre cheio, saturado, tenha um arranjo de cordas neto de "Eleanor Rigby". E que, depois, o disco prossiga com a melancolia minimalista de "You Tell Me". Faz sentido porque, no fundo, Paul é a "tradição" que chegou viva a 2007. Ou seja, é obrigado a fazer sua necessidade artística de superação dialogar com tudo o que ele mesmo representa. E ainda se sentir criativamente vivo, mesmo que seus momentos com John, George e Ringo o ofusquem para sempre.
McCartney colhe desse diálogo grandes momentos. Além das já citadas, "Gratitude" e a blueseira "That Was Me" -que abre a seqüência mais memorialista do disco- provam que a voz dele, incrivelmente, não envelheceu nada. Quando a 13ª e última canção, a explosiva "Nod Your Head" expira, já não restam quaisquer dúvidas. O terninho, o fardão, o bigode, a cabeleira, "Yesterday", os tropeços com os Wings: nada disso pesa em suas costas. Amparado pelas memórias, Paul fica mais atual.


MEMORY ALMOST FULL Artista: Paul McCartney
Gravadora: Universal
Quanto: R$ 39
Avaliação: bom



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