São Paulo, sexta-feira, 25 de junho de 2004

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Quanto mais purpurina melhor

Show do ministro-celebridade Gilberto Gil encerra hoje a novela das oito da Globo

LAURA MATTOS
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

A novela se chama "Celebridade", abordou o culto às celebridades, foi palco de um desfile de celebridades da vida real e termina hoje com um show do cantor Gilberto Gil, o ministro-celebridade.
Um ano e meio após assumir a pasta e deixar claro que não penduraria o microfone, Gil deverá, nesta noite, ter sua imagem sintonizada por mais de 80% dos lares brasileiros -essa tem sido a média no Ibope desta última semana, na Grande São Paulo.
A negociação para a participação do ministro foi feita com seu escritório artístico, administrado por sua mulher, Flora Gil. Segundo a Globo e a produção do cantor, houve pagamento de cachê apenas para a banda. Também de acordo com a emissora, a escolha de seu nome foi do autor, Gilberto Braga, e do diretor, Dennis Carvalho. Gil cantará no ar o samba "Com que Roupa" (que está na trilha da novela) e a balada "A Paz", colocando a palavra "fim" sobre 221 capítulos de discórdia.
Em viagem, o ministro não foi localizado pela Folha para comentar o assunto.

Papéis embaralhados
A cena do ministro cantando para Maria Clara Diniz (Malu Mader) e cia. é mais um capítulo de uma história de papéis embaralhados. Gil cantou em sua posse e até já improvisou um show na ONU, no qual o secretário-geral, Kofi Annan, tocou atabaque. Em julho, tira férias de novo da pasta para uma turnê na Europa.
É difícil medir o impacto da visibilidade do Gil ministro sobre o Gil músico, mas alguns dados indicam que a superexposição do primeiro beneficia, sim, o segundo. Segundo números do Ecad (Escritório Central de Arrecadação de Direitos), de 2002 para 2003 Gil incrementou sua arrecadação como intérprete.
Nas rádios, passou de 15º cantor mais executado em 2002 para 11º em 2003. Somada, a arrecadação em TV, bares, restaurantes, supermercados e outros ambientes que veiculam música deu forte salto: em 2002 Gil era o 26º no ranking; em 2003, pulou para 5º.
A arrecadação do artista como compositor (por músicas de sua autoria cantadas também por outros artistas) variou de forma mais discreta: ele cresceu de nono para sétimo no rádio e caiu de nono para décimo nos outros meios.
O Ecad diz não possuir dados informatizados de 2001 para trás -o que impossibilita investigar a fundo o efeito da faixa ministerial nos lucros artísticos de Gil.
Sua gravadora, a Warner, informa que o artista vinha, antes de se tornar ministro, de dois discos de bom rendimento, se considerada a crise na indústria fonográfica. "Kaya n'Gan Daya" (2002) vendeu 121 mil cópias, "São João Vivo" (2001), 217 mil, e "Eu Tu Eles" (2000), 305 mil. O álbum mais vendido de Gil nos anos 90 foi o "Acústico MTV" (93): 459 mil.
O show fictício em "Celebridade" será uma ótima oportunidade para Gil promover sua imagem como cantor e ministro, na opinião do sociólogo e jornalista Chico Malfitani, marqueteiro de Luiza Erundina na disputa à Prefeitura de SP em 88. "Aparecer na TV numa ocasião como essa, horário nobre e fim de novela, é o sonho de qualquer político ou artista."
Para Malfitani, a aparição pode ser positiva até para o governo Lula, cuja popularidade está em queda. "Como ministro, ele continuou a ser o Gil de sempre. Assim, a participação como cantor soma positivamente para ele, para a novela e até para o governo. Há sempre uma jogada de marketing por trás dessas coisas", diz.
Consultor de marketing político da agência DPZ, Tom Eisenlohr concorda que a noite de hoje será importante para imagem de Gil como cantor e ministro. "Ao entrar na novela -uma manifestação de cultura popular-, ele mostra um lado humano, próximo ao povo. Isso é bom até para Lula. Faz bem para o governo ter um ministro popular", diz o publicitário, que já coordenou campanhas políticas de Tancredo Neves e Mário Covas à Presidência.
Marqueteiro de Fernando Collor na eleição de 89, Chico Santa Rita não vê vantagens nem desvantagens. "Gil tem sido um ministro atípico, e isso não melhora nem piora sua imagem. Muito menos traz conseqüências para o governo. Hoje, a população tem muito critério ao ver TV."
O secretário-executivo do Ministério da Cultura, Juca Ferreira, diz que a pasta encara a participação do ministro na novela com "tranqüilidade". "Sua presença nem acrescenta nem retira nada. A novela não está agregando à imagem do ministro nenhum valor que já não seja notório. Ele optou por ser ministro sem deixar de ser artista. As duas coisas dialogam, não são contraditórias."
Ferreira aproveita para elogiar a trama de Gilberto Braga: "A novela fez uma divulgação do cinema e da música brasileira, particularmente do samba. Evidentemente, para encerrar a novela, dando vitória ao bem, buscaram um artista altamente consagrado".
Há quem veja escorregão ético nas atitudes anfíbias do ministro-cantor. É o caso do cantor Lobão, um dos que não participam da rede de grandes gravadoras que enviaram músicos para virarem "atores" em "Celebridade".
"Esse ministro da Cultura está solando de cavaquinho. Ser ministro e ser um homem de palco ao mesmo tempo, definitivamente, é um grave distúrbio ético-operacional. É impossível evitar aquela sensação de incesto."
Discorda dele a roqueira Rita Lee, colega tropicalista de Gil e uma das estrelas passageiras de "Celebridade": "Todos os cantores que participaram da novela foram bacanas, e Gil encerrando tem tudo a ver. Aliás, aproveito para dizer que ele é o melhor ministro da Cultura que já tivemos".
O músico João Bosco, também figurante em "Celebridade", opta por meio termo conciso: "Gil é celebridade nos dois quesitos".


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