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Quanto mais purpurina melhor
Show do ministro-celebridade Gilberto Gil encerra hoje a novela das oito da Globo
LAURA MATTOS
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
A novela se chama "Celebridade", abordou o culto às celebridades, foi palco de um desfile de celebridades da vida real e termina
hoje com um show do cantor Gilberto Gil, o ministro-celebridade.
Um ano e meio após assumir a
pasta e deixar claro que não penduraria o microfone, Gil deverá,
nesta noite, ter sua imagem sintonizada por mais de 80% dos lares
brasileiros -essa tem sido a média no Ibope desta última semana,
na Grande São Paulo.
A negociação para a participação do ministro foi feita com seu
escritório artístico, administrado
por sua mulher, Flora Gil. Segundo a Globo e a produção do cantor, houve pagamento de cachê
apenas para a banda. Também de
acordo com a emissora, a escolha
de seu nome foi do autor, Gilberto
Braga, e do diretor, Dennis Carvalho. Gil cantará no ar o samba
"Com que Roupa" (que está na
trilha da novela) e a balada "A
Paz", colocando a palavra "fim"
sobre 221 capítulos de discórdia.
Em viagem, o ministro não foi
localizado pela Folha para comentar o assunto.
Papéis embaralhados
A cena do ministro cantando
para Maria Clara Diniz (Malu Mader) e cia. é mais um capítulo de
uma história de papéis embaralhados. Gil cantou em sua posse e
até já improvisou um show na
ONU, no qual o secretário-geral,
Kofi Annan, tocou atabaque. Em
julho, tira férias de novo da pasta
para uma turnê na Europa.
É difícil medir o impacto da visibilidade do Gil ministro sobre o
Gil músico, mas alguns dados indicam que a superexposição do
primeiro beneficia, sim, o segundo. Segundo números do Ecad
(Escritório Central de Arrecadação de Direitos), de 2002 para
2003 Gil incrementou sua arrecadação como intérprete.
Nas rádios, passou de 15º cantor
mais executado em 2002 para 11º
em 2003. Somada, a arrecadação
em TV, bares, restaurantes, supermercados e outros ambientes
que veiculam música deu forte
salto: em 2002 Gil era o 26º no
ranking; em 2003, pulou para 5º.
A arrecadação do artista como
compositor (por músicas de sua
autoria cantadas também por outros artistas) variou de forma
mais discreta: ele cresceu de nono
para sétimo no rádio e caiu de nono para décimo nos outros meios.
O Ecad diz não possuir dados
informatizados de 2001 para trás
-o que impossibilita investigar a
fundo o efeito da faixa ministerial
nos lucros artísticos de Gil.
Sua gravadora, a Warner, informa que o artista vinha, antes de se
tornar ministro, de dois discos de
bom rendimento, se considerada
a crise na indústria fonográfica.
"Kaya n'Gan Daya" (2002) vendeu 121 mil cópias, "São João Vivo" (2001), 217 mil, e "Eu Tu Eles"
(2000), 305 mil. O álbum mais
vendido de Gil nos anos 90 foi o
"Acústico MTV" (93): 459 mil.
O show fictício em "Celebridade" será uma ótima oportunidade
para Gil promover sua imagem
como cantor e ministro, na opinião do sociólogo e jornalista Chico Malfitani, marqueteiro de Luiza Erundina na disputa à Prefeitura de SP em 88. "Aparecer na TV
numa ocasião como essa, horário
nobre e fim de novela, é o sonho
de qualquer político ou artista."
Para Malfitani, a aparição pode
ser positiva até para o governo
Lula, cuja popularidade está em
queda. "Como ministro, ele continuou a ser o Gil de sempre. Assim,
a participação como cantor soma
positivamente para ele, para a novela e até para o governo. Há sempre uma jogada de marketing por
trás dessas coisas", diz.
Consultor de marketing político
da agência DPZ, Tom Eisenlohr
concorda que a noite de hoje será
importante para imagem de Gil
como cantor e ministro. "Ao entrar na novela -uma manifestação de cultura popular-, ele
mostra um lado humano, próximo ao povo. Isso é bom até para
Lula. Faz bem para o governo ter
um ministro popular", diz o publicitário, que já coordenou campanhas políticas de Tancredo Neves e Mário Covas à Presidência.
Marqueteiro de Fernando Collor na eleição de 89, Chico Santa
Rita não vê vantagens nem desvantagens. "Gil tem sido um ministro atípico, e isso não melhora
nem piora sua imagem. Muito
menos traz conseqüências para o
governo. Hoje, a população tem
muito critério ao ver TV."
O secretário-executivo do Ministério da Cultura, Juca Ferreira,
diz que a pasta encara a participação do ministro na novela com
"tranqüilidade". "Sua presença
nem acrescenta nem retira nada.
A novela não está agregando à
imagem do ministro nenhum valor que já não seja notório. Ele optou por ser ministro sem deixar
de ser artista. As duas coisas dialogam, não são contraditórias."
Ferreira aproveita para elogiar a
trama de Gilberto Braga: "A novela fez uma divulgação do cinema e
da música brasileira, particularmente do samba. Evidentemente,
para encerrar a novela, dando vitória ao bem, buscaram um artista altamente consagrado".
Há quem veja escorregão ético
nas atitudes anfíbias do ministro-cantor. É o caso do cantor Lobão,
um dos que não participam da rede de grandes gravadoras que enviaram músicos para virarem
"atores" em "Celebridade".
"Esse ministro da Cultura está
solando de cavaquinho. Ser ministro e ser um homem de palco
ao mesmo tempo, definitivamente, é um grave distúrbio ético-operacional. É impossível evitar
aquela sensação de incesto."
Discorda dele a roqueira Rita
Lee, colega tropicalista de Gil e
uma das estrelas passageiras de
"Celebridade": "Todos os cantores que participaram da novela
foram bacanas, e Gil encerrando
tem tudo a ver. Aliás, aproveito
para dizer que ele é o melhor ministro da Cultura que já tivemos".
O músico João Bosco, também
figurante em "Celebridade", opta
por meio termo conciso: "Gil é celebridade nos dois quesitos".
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