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São Paulo, segunda-feira, 25 de agosto de 2003

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LIVRO

Tese de Marta Nehring analisa padrões estilísticos e fundo religioso no trabalho do crítico de arte e poeta mineiro

Formalismo de Mendes é redimensionado

FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA

Foi Murilo Mendes (1901-75) um crítico de arte formalista? Marta Nehring enfrenta a complexa produção do literato mineiro a fim de esclarecer o sentido dos escritos dedicados por ele a artistas e estilos do século 20.
O livro "Murilo Mendes: Crítico de Arte" resulta de dissertação de mestrado na área de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP. Circunscreve o estado atual do debate sobre o tema e aborda detidamente alguns escritos. Contudo a autora não propõe tese conclusiva, de acordo com a etapa da pós-graduação a que corresponde o estudo original. A relevância do comentário justifica-se pela forma mista de prosa e poesia dos textos em questão.
Nehring adota a teoria de Giulio Argan (1909-92) como principal referência interpretativa. O crítico e historiador de arte foi amigo pessoal do homenageado. Ambos os autores teriam em comum a revalorização de uma liberdade criativa própria da "época em que o artesanato era o sistema dominante de produção: a obra de arte aparecia como objeto por excelência e modelo das outras atividades. De acordo com Argan, com a industrialização esse sistema entra em crise. Os desdobramentos daquilo que conhecemos como arte moderna constituem a própria história dessa crise".
A resistência à instrumentalização utilitária da vida no período industrial levaria Mendes a defender sucessivamente o surrealismo durante a década de 30, a abstração construtiva após a Segunda Guerra e a arte op/cinética contra o pop desde os anos 60.
Tais posições, porém, coerentes com o formalismo de Argan, complicam-se quando somadas ao catolicismo do brasileiro. No capítulo dedicado ao texto sobre o pintor italiano Magnelli (1888-1971), Nehring explora as referências a são Paulo e santo Agostinho na análise da estética abstrata.
A resolução estilística dos textos mais radicais de Mendes, com parágrafos blocados e grafismos concretistas, evidencia o esforço de síntese de um teórico de formação ampla e densa. A imparcialidade da comentadora permite enxergar o fundo religioso por trás da negação formalista da história, ou como disse o crítico-poeta: "O desejo de evadir-se da realidade pode ser substituído por outro: o de mudar a realidade".
Embora este livro não substitua a leitura direta dos escritos de Murilo Mendes, esclarece uma trajetória de meio século permeada de erudição e dialética.

Murilo Mendes: Crítico de Arte


   
Autora: Marta Nehring
Editora: Nankin Editorial
Quanto: R$ 29 (200 págs.)



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