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Roteirista transforma heróis das HQs da Marvel em celebridades de "reality show"
Dinheiro, fama e HQ
DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL
"Vamos quebrar a lei." Publicada logo na primeira página da 116ª
edição de "X-Force", a sentença
dava aos fãs ardorosos da Marvel
Comics a dica do que viria pela
frente na estréia do roteirista inglês Peter Milligan na revista, uma
das subfranquias de "X-Men".
Dito e feito. Imagine que todos
os heróis antigos, em um instante,
desaparecessem, para dar lugar a
um grupo de personagens não
apenas desconhecidos, mas desajustados e vaidosos. Imagine que
a maioria desses mesmos (anti)heróis não durasse mais do que
uma edição, e, a cada nova, um
outro personagem fosse acrescentado à trama. Agora imagine a cara dos leitores.
"Eu deveria odiar tudo isso. Deveria odiá-los. Eu tinha acabado
de me acostumar com o novo "X-Force" (...), e agora eles vão e mudam a coisa toda (...). Se fosse só
isso, eu até poderia perdoá-los,
mas fizeram o imperdoável: acabaram de matar a melhor [personagem] deles." Quem escreve é o
próprio Milligan, na edição 130 de
"X-Force", oficialmente "X-Statix" nº 1, publicada em outubro
no Brasil -com um ano de atraso
em relação aos EUA.
Pressionado por todos os lados
para mudar o nome da revista
-os fãs mandavam cartas malhando a "reformulação", e a
Marvel travava disputa financeira
com os antigos criadores de "X-Force"-, Milligan virou o jogo a
seu favor: "O que eu tento fazer
com o quadrinho é refletir o que
está acontecendo na realidade. E,
na realidade, alguém na Marvel
disse: "Este livro não tem relação
nenhuma com o "X-Force" antigo,
mas, para chamarmos assim, temos de pagar uma certa quantia
em dólares todo mês". Então mudamos, para não pagar", disse o
autor em entrevista por telefone.
E foi uma mudança cinematográfica. Ambientada em uma espécie de "reality show" em quadrinhos, em que os heróis são verdadeiras celebridades -com
problemas de celebridade, como
alcoolismo, uso de antidepressivos, falta de privacidade etc.-, a
publicação incorporou ao roteiro
a discussão de qual seria o novo
nome do grupo. Com as respectivas consequências de imagem e
de marketing dos produtos relacionados aos personagens, no
mundo da HQ e também no real.
"Acho que esse quadrinho é
perfeito para o momento atual.
Ele diz muito sobre a cultura em
que vivemos, explorando as celebridades e a obsessão por elas. O
que você faz, como você cria a sua
imagem e como você se torna essa
imagem", afirmou.
Xingado pelos fãs antigos da revista, o inglês rebate: "O Axel
[Alonso, editor da Marvel] sempre me disse que recebe muitas
cartas de pessoas afirmando que
realmente gostaram das mudanças, mas continuamos publicando as das pessoas que não gostaram porque são as mais engraçadas. Elas dizem: "Tragam de volta
o [personagem] Cannonball'", diverte-se. "E, para dizer a verdade,
estou até pensando em fazê-lo,
por alguns episódios."
Não satisfeito com a polêmica,
Milligan segue provocando outras. A mais recente quando tentou retratar a princesa Diana
(1961-97) em um arco de histórias
que levaria o título "Di another
Day", trocadilho com o nome da
princesa e o filme de James Bond
"Die Another Day" ("Um Novo
Dia para Morrer"). No gibi, a
princesa seria transformada em
uma morta-viva com poderes
mutantes. Resultado: censura.
"O que tento fazer é mencionar
que esse personagem de quadrinho existe em um mundo que a
gente reconhece, claro que numa
versão mais estranha", reforça o
roteirista, que, em edições anteriores, já havia "brincado" com
Fidel Castro e George W. Bush.
"Fica difícil entrar em detalhes
sobre isso [o episódio com Di],
porque algumas pessoas tiveram
problemas. O que tentamos fazer
foi deixá-las felizes, sem perder o
cerne da história", justifica Milligan, que, depois de uma série de
discussões na imprensa inglesa e
dentro da própria Marvel, achou
mais prudente reformular a trama, sem Diana.
Conhecido por suas HQs adultas lançadas nos anos 90 pelo selo
Vertigo, o inglês
conta que teve de fazer alguns
"ajustes" para caber em "X-Force". "É verdade que eu tive que
me adaptar, mas a Marvel Comics
também teve que se adaptar a
mim." E a primeira "adaptação"
foi retirar da revista o selo "Aprovado pelo Código de Quadrinhos", que tradicionalmente
acompanha as publicações infanto-juvenis da editora.
X-MEN EXTRA. Publicação mensal da
editora Panini que inclui "X-Force"/"X-Statix". Quanto: R$ 6 (100 págs.).
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