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TODAS AS TERRAS DO NUNCA
Autor de "Dicionário" diz que, às vezes, geografia imaginada é melhor do que enredo
"Invenções superam escritores menores"
Ilustração James Cook/Reprodução de "Dicionário de Lugares Imaginários"
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PAÍS DAS MARAVILHAS Sob a Inglaterra, o reino está em "Alice no País das Maravilhas" (Lewis Carrol)
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia a seguir trechos de entrevista com o escritor Alberto Manguel, autor de "Dicionário de Lugares Imaginários".
(CASSIANO ELEK MACHADO)
Folha - Que períodos foram os
mais férteis para a criação de lugares imaginários?
Alberto Manguel - Creio que os
séculos 17 e 18 são os mais importantes. Com as explorações que se
vinham fazendo se sente a necessidade de criar lugares nos quais
se pudesse colocar idéias sociais,
econômicas e políticas.
A ilha de Robinson Crusoé (de
Daniel Defoe) ou as viagens de
Gulliver (de Jonathan Swift), que
são duas utopias fundadoras, são
dessa época. Um pouco antes nasce a "Utopia" de Thomas Morus.
Esses três modos de lugares imaginários são os que dão lugar a toda geografia fantástica.
Folha - Que modelos são esses?
Manguel - Existem várias utopias anteriores, mas nenhuma delas se concretiza de modo sistemático como a de Morus. Se por
um lado existem noções de como
se funda uma sociedade em Platão e Aristóteles, não há nenhum
exemplo concreto até Crusoé. Já
em Swift temos o protótipo da sociedade vista em espelhos que a
distorcem, a representando menor, mais inteligente, mais brutal.
Folha - Antes dos gregos já se
criava lugares imaginários...
Manguel - Existe um elemento
muito importante na geografia
imaginária. O leitor precisa saber
que ela é imaginária. Das utopias
que podemos encontrar na antiguidade, como "Gilgamesh", são
lugares imaginários por que nós,
no século 21, sabemos que são
imaginários. Não sei se o leitor
contemporâneo de Gilgamesh o
pensava como imaginário, não sei
se o leitor de Plinio ou de Platão
considerava que a Atlântida ou o
País dos Homens sem Cabeça
eram imaginários. Igualmente falar de literatura fantástica na China antiga não faz sentido. Para
um contemporâneo de Lao-Tse,
por exemplo, o unicórnio tem o
mesmo valor de um cavalo.
Folha - Além de Swift, Dafoe e
Morus, quem foram os grandes
criadores de lugares imaginários?
Manguel - A literatura de geografia imaginária permite a criação de esplêndidos lugares a escritores menores. Autores como James Branch Cabell ou Edgar Burroughs (o pai de Tarzan) criaram
lugares imaginários esplêndidos
sem serem grandes escritores.
Suas imaginações eram capazes
de criar lugares com todas as suas
regras e qualidades, mas suas linguagens não são das maiores.
Folha - Se o sr. tivesse de organizar os lugares imaginários em continentes, como eles seriam?
Manguel - Boa parte dos lugares
imaginários são ilhas. Se as ilhas
imaginárias existissem de verdade, quase não haveria lugar para a
água. É muito mais fácil fazer crer
em ilhas, colocadas em lugares
distantes do Pacífico. Até hoje
existem ilhas não desconhecidas,
mas não visitadas. É mais fácil
acreditar nelas, boiando no meio
do nada, do que em um país imaginário entre a fronteira da Argentina e do Brasil.
Folha - Mas quais são os grandes
grupos de lugares inventados?
Manguel - Existem as utopias feministas, as de vampiros, utopias
de homens sós, as cristãs.
Folha - Qual excursão dessas te
deu mais prazer? Qual visitaria?
Manguel - Visitar não sei se visitaria nenhum. São lugares todos
bastante terríveis. Mas nos divertimos muito fazendo a descrição
da cidade vampira de Paul Féval,
por exemplo. É espetacular.
Folha - Quantos livros vocês leram no total para o dicionário?
Manguel - Éramos jovens, tínhamos muita energia. Lemos mais
de 2.000 livros. Não nos bastava
ler a obra que mencionava um lugar imaginário, com toda a atenção para conseguir remontá-la
com todos os detalhes. Se descobríamos que, para chegar a uma
ilha, Tarzã tinha de remar por
dois dias, então calculávamos
quantos quilômetros uma pessoa
podia percorrer remando em canoa e então colocávamos a distância. Ficamos três anos só nisso.
Folha - Por que os lugares de literatura futurista não foram incluídos? Vocês acreditavam que eram
utopias que ainda podiam deixar
de ser imaginárias?
Manguel - Não (risos), foi questão de economia mesmo. Também havia uma questão conceitual. Incluindo lugares do futuro
de alguma maneira se afetava a
vontade de realidade que quisemos dar ao estilo do livro. Dizer
que tal lugar se pode visitar porque existiu, então se poderia conhecer suas ruínas, ou porque
existe é distinto do que dizer que
no futuro se poderá visitar. Já requer muita suspensão de incredulidade por parte dos leitores.
Folha - Como é a produção atual
de lugares imaginários?
Manguel - Segue fértil como
sempre. Creio que o leitor aceita
enormemente o tipo de leitura
que se escreve em seu tempo.
Hoje temos tanta desconfiança
com toda informação, em parte
porque nos afogam com tanta informação eletrônica e nos fazem
crer que as únicas imagens que
podemos acreditar são as fotográficas ou da TV, que o texto não dá
ao leitor a sugestão de realidade.
Quando alguém escreve um romance e inventa um lugar imaginário, já sabe que o leitor não vai
acreditar nesse lugar. E tanto o escritor quanto o leitor entram em
acordo para jogar esse jogo sabendo que é um jogo. Ao passo
que quando Defoe escreveu Crusoé ele sabia que era ficção, mas o
leitor necessariamente não.
DICIONÁRIO DE LUGARES IMAGINÁRIOS. Autores: Alberto
Manguel e Gianni Guadalupi. Tradução: Pedro Maia Soares. Editora: Companhia
das Letras. Quanto: R$ 56 (495 págs.).
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