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biblioteca Folha
Marco Polo e Kublai Khan são os protagonistas da obra de Italo Calvino
"Cidades Invisíveis" traça a aula magna dos opostos
DA REPORTAGEM LOCAL
A julgar pelas conversas de seus
dois únicos protagonistas, o explorador veneziano Marco Polo e
o imperador dos tártaros Kublai
Khan, "As Cidades Invisíveis", de
Italo Calvino, seria um livro para
ser lido naquilo que nele não está
escrito. Pelo frio se entenderia o
calor, pelo barulho, o silêncio, a
saudade seria o atalho do amor.
Mas não é preciso cavoucar nas
entrelinhas desse romance para
aprender suas lições dos opostos.
Nesse trabalho fabuloso (nos
dois sentidos), que a Biblioteca
Folha leva às bancas a partir de
amanhã, Calvino deixa essa aula
magna visível em cada poro de
suas menos de 200 páginas.
"Os outros lugares são espelhos
em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo
o muito que não teve e o que não
terá", registra em uma passagem.
"De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou 77 maravilhas,
mas a resposta que dá às nossas
perguntas", adiciona adiante. Ou:
"Para descobrir quanta escuridão
existe em torno, é preciso concentrar o olhar nas luzes fracas e distantes".
O escritor italiano (nascido em
Cuba em 1923 e morto em 1985
em Siena) seguiu o mesmo preceito neste romance de 1972. Fez
de um de seus livros aparentemente mais simples talvez o mais
profundo. ""As Cidades Invisíveis" é o livro onde penso ter dito
mais coisas, talvez porque tenha
conseguido concentrar em um
único símbolo todas as minhas
reflexões, experiências e conjeturas", escreveu Calvino nas anotações para uma conferência, publicada postumamente como "Seis
Propostas para o Próximo Milênio", um de seus maiores hits.
"Cidades" também foi um sucesso. Só no Brasil, onde foi lançado pela Companhia das Letras em
1990, em tradução do escritor
Diogo Mainardi, a mesma da Biblioteca Folha, o diálogo entre
Khan e Marco Polo já se aproxima
da 20ª reimpressão.
E sobre o quê conversam o imperador do Oriente e o explorador do Ocidente, afinal? Sobre cidades, cidades que o veneziano,
como uma Sherazade barbada,
descreve dia após dia. São 55 delas, todas com nomes de mulheres
com um sopro de passado no nome: Anastácia, Ercília, Eudóxia,
Teodora, Zenóbia.
Nessa rede de cidades, tramadas
em 11 grupos diferentes (As Cidades e o Desejo, As Cidades Delgadas, As Cidades e os Símbolos...),
mais conta o que Khan quer escutar do que o que Polo tem a dizer.
Ou, o que valeria para todos,
"quem comanda a narração não é
a voz: é o ouvido".
Amigo da literatura de Jorge
Luis Borges, Calvino usa sua audição apurada para construir com
55 metrópoles imaginárias a sua
Biblioteca de Babel, que guarda
todos os livros do mundo para
guardar um livro só.
Ou como diz uma passagem de
"As Cidades Invisíveis": "Marco
Polo descreve uma ponte, pedra
por pedra. -Mas qual é a pedra
que sustenta a ponte?, pergunta
Kublai Khan. -A ponte não é
sustentada por esta ou aquela pedra, responde Marco, mas pela
curva do arco que estas formam.
Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta:
-Por que falar das pedras? Só o
arco me interessa. Polo responde:
-Sem pedras o arco não existe".
(CASSIANO ELEK MACHADO)
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