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São Paulo, sábado, 25 de outubro de 2003

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LIVRO/CRÍTICA

Texto pede pacto de delírio com o autor

DA REPORTAGEM LOCAL

Mais confessional ainda que "Imprensa Cantada 2003" é o livro em que Tom Zé, quase cantando, estréia como escritor.
Com o mesmo caráter fragmentário do disco, "Tropicalista Lenta Luta" impressiona pela recorrência com que Tom Zé descreve viver entre ciclos de "rejeição" e "salvação", "recusa" e "resgate". Os termos parecem emanar dele próprio, bem antes de vir circular cá por fora.
Esse pêndulo é o mote do longo texto inédito que abre o livro -é também seu ponto culminante.
Em linguagem plenamente poética, o artista faz um sumo resumo de seu passado interiorano, de seu ofício musical, de sua vida. Zas-trás de paradoxos, Tom Zé patina no quase incompreensível enquanto discorre com didatismo sobre as técnicas e estratégias de sua música.
O leitor sai com a impressão de que não entendeu o que ele queria dizer, mas enternecido com, por exemplo, a terna comparação entre a dinâmica de uma canção e o sobressalto de namorar as moças. Entende-se pelo paralelo o que é fazer uma canção, mesmo que não se saiba nada sobre isso.
Logo a seguir Tom Zé foge da linha do raciocínio, passa a delirar sobre isso e aquilo. O leitor se perde, sente-se rejeitado/recusado/abandonado pelo autor fugidio.
Termina se perguntando: "Entendi ou não entendi?". A resposta, desejada com furor por Tom Zé, é "sim" e é "não". Seu texto é em tudo didático, mal omite palavras, pensamentos ou críticas. É, entretanto, conduzido em delírio, com despiste.
Se o leitor ficar "lúcido", sairá embebido de "não". Não entendeu. Se firmar com Tom Zé o pacto do delírio, talvez perca a razão e saia de mãos dadas com o recusado, agora meio artista. Mas verá que entendeu tudo desde o início, que sempre entendeu tudo. A faca se retira da carne, que então se reconstitui como por encanto, sem deixar cicatriz.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Tropicalista Lenta Luta
    Autor: Tom Zé Editora: Publifolha Quanto: R$ 34 (288 págs.)


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