São Paulo, segunda-feira, 25 de outubro de 2004

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MÚSICA/CRÍTICA

Músico apresenta show "Reactivus Amor Est (turba Philosophorum)" para casa hiperlotada em São Paulo

Jorge Ben Jor comanda festa pagã para jovens

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

De volta a um grande palco paulistano após vários anos, Jorge Ben Jor, 62, confirmou na sexta-feira a permanência de um fenômeno que já dura 41 anos e não encontra paralelos dentro da música popular de seu país.
Mesmo sem gozar de destaque privilegiado no circuitão de gravadoras, TVs e rádios nacionais, Ben Jor hiperlotou o DirecTV Music Hall, com direito a gente sem ingresso, quase-tumulto na entrada e ondas de frisson durante maior parte do longo show.
Um detalhe o separa de seus pares que também primam por extremo profissionalismo em cima do palco: a platéia de Ben Jor é majoritariamente formada por jovens. Tal detalhe explicitou o erro da casa de shows, de confinar a garotada no fundo da platéia, enquanto outros nem tão jovens se contorciam mais à frente para dançar apesar das mesas e cadeiras. Como todo mundo sabe, Ben Jor é de pista, não é de mesa.
Entre poucas músicas do novo e revigorante álbum "Reactivus Amor Est (Turba Philosophorum)", o cantor, compositor e guitarrista carioca demonstra que não está na novidade o poder de seu mito. Sua big band de soul, funk, blues, reggae e samba é o mais poderoso remanescente de culto dionisíaco no pop moderno brasileiro -não à toa, Jorge, comumente arredio a interpretar outros autores, cantou nessa noite "Do Leme ao Pontal", de Tim Maia (1942-98), o cara que lhe ensinou metade de tudo o que ele sabe sobre palco e fusão de ritmos negros brasileiros, africanos, latino-americanos e norte-americanos.
O segredo é simples e mora em Dionísio. A música de Ben Jor é pagã, profana, bole com divindades que não transam com a culpa religiosa e suas conseqüências.
Louva a coexistência pacífica e complementar entre o feminino e o masculino, seja nos modos da carne viva (como no samba de brejo "Menina Mulher da Pele Preta", de 74) ou da divindade profanada (como no rito masculino "Jorge de Capadócia", de 75).
Em termos mais diretos, fala de sexo, e não vem de outro lugar o segredo da permanência do fenômeno: mesmo quando não esconde suas tristezas, Ben Jor é líder incontestável da corrente antidepressiva da música brasileira.
Sua arte grande só existe em plenitude quando e onde se desmanchem preconceitos de elaboração intelectual e cultos morais à melancolia, penitência, depressão.
O palco tem sido esse lugar, quando se encontram o grão-mestre e discípulos dispostos a espantar demônios cristãos, a encontrar anjos pagãos como os que fazem "flap, flap, flap, fly, fly" em "Gabriel, Rafael, Miguel", festim da safra 2004 de Jorge Ben Jor.


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