São Paulo, sábado, 25 de novembro de 2000

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"MAO"
Biografia mostra queda de líder pela "desordem"

JAIME SPITZCOVSKY
ESPECIAL PARA A FOLHA

O inglês Jonathan Spence, o mais festejado pesquisador da história da China nos dias de hoje, sentencia no prefácio de sua biografia do líder da revolução chinesa: "Cheguei à conclusão de que a enigmática arena em que Mao mais parecia sentir-se à vontade era o oposto da ordem, era o mundo da desordem".
Palavras sábias que aparecem na obra escrita por Spence para a coleção Breves Biografias, da editora Objetiva. Mao Tse-tung não vendia a idéia trotskista da "revolução permanente", mas seu reinado foi uma ininterrupta sucessão de turbulências, em contraste visível, por exemplo, com o que ocorria na vizinha União Soviética. O regime de Leonid Brejnev (1964-1982) entrou para a história como o período da "zastoi", termo russo para descrever a estagnação.
"O terrível feito de Mao foi pegar (...) intuições de filósofos chineses anteriores, combiná-las com elementos extraídos do pensamento socialista ocidental e encadeá-las para prolongar o limitado conceito de desordem numa demorada aventura de rebelião", escreve Spence.
Mao imperou da chegada dos comunistas ao poder, em 1949, até sua morte, em 1976. Promoveu terremotos que deixaram marcas indeléveis na história da China, como o Grande Salto para a Frente e a Revolução Cultural. Foram aventuras com exagerados custos humanos.
Em o Grande Salto para Frente, Mao pretendeu, ao final do da década de 50, acelerar a industrialização do país. Forçou camponeses a improvisarem siderúrgicas toscas e a se juntarem em gigantescas comunas agrícolas. O experimento maoísta levou mais desorganização à economia e provocou ondas de fome e milhões de mortes.
Na Revolução Cultural, Mao Tse-tung defendeu o aprofundamento das teses revolucionárias e prometeu varrer da China "vestígios dos regimes burguês e feudal" e atacar os "quatro velhos" elementos da sociedade chinesa: velhos costumes, velhos hábitos, velha cultura e velho pensamento. Sob o guarda-chuva do maoísmo, Pequim promoveu perseguição a intelectuais e até a dirigentes do Partido Comunista, acusados de "inclinações direitistas".
Essa nova onda maoísta de desordem organizou jovens chineses em hordas conhecidas como as dos "guardas vermelhos". Brandindo o livro vermelho de Mao, esses grupos cruzavam o país em busca de "contra-revolucionários" e chegaram mesmo a se enfrentar em confrontos armados, mergulhando a China ainda mais num cenário caótico.
Na biografia, Spence afirma que "o número de vítimas da descoordenada violência da Revolução Cultural é incalculável, mas foram vários milhões". Além do custo humano, a avalanche maoísta representou mais um golpe na economia chinesa, que já havia sofrido nas mãos do Grande Salto.
A Revolução Cultural, que durou de 1966 a 1976, é descrita atualmente pelo próprio Partido Comunista chinês como "a década perdida". Em sua avaliação do desempenho histórico do fundador do regime, o PC já deixou de endeusar Mao e afirma que ele teve 70% de acertos e 30% de erros. E o principal deles foi o turbilhão da Revolução Cultural.
Spence, autor também de "Em Busca da China Moderna", clássico da historiografia moderna chinesa, conta que Mao "jamais escreveu uma única análise abrangente do que pretendia atingir com a Revolução Cultural". Mas um objetivo dessa desordem era claro: conquistar apoio político perdido com a catástrofe da desordem anterior, que foi o fracassado Grande Salto para a Frente.


Mao
Mao
    
Autor: Jonathan Spence Tradução: Marcos Santarrita Editora: Objetiva Quanto: R$ 19 (228 págs.)




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