|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
COMIDA
Os fora-do-cardápio
Os pratos não estão escritos no menu, mas rodam nas mesas dos habitués como um mimo ou enquanto são testados
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
Ferran Adrià comeu. Juan
Mari Arzak e Martín Berasategui também. Quem pede o menu-degustação talvez já tenha
experimentado. E, à exceção
dos chefs da vanguarda espanhola e dos clientes mais assíduos, só têm chance de provar
as esferas de feijoada do Maní
aqueles muito bem informados
e que vão direto ao assunto:
"Vim para comer feijoadinha".
A receita local, desconstruída
à la Adrià, não está no cardápio.
É feita para poucos, assim como as esferas de jabuticaba e as
de burrata, servidas num consumé de tomates. A aura de discrição que os envolve, ora ou
outra quebrada pelo inevitável
boca-a-boca, tem razão de ser?
"A gente sempre vai ter pratos assim, porque estamos tentando testar coisas novas. Mas
não dá para fazer para todo
mundo. Até colocar na rotina
do trabalho, demora um tempo", diz Helena Rizzo, 30, chef
do Maní. "Precisamos pegar o
ritmo para fazer em quantidade. Se tivesse de servir um prato [grande] de feijoadinha, de
certo não daríamos conta."
De preparo trabalhoso, artesanal, as bolinhas de feijoada
foram oferecidas pela primeira
vez em um jantar, no ano passado, para os chefs espanhóis.
Desde então, têm atraído a
atenção do público, que às vezes vai ao Maní só para prová-las. "Nossa maneira de divulgar
pratos novos é no menu-degustação. Mas acabamos abrindo
exceção para os curiosos, para
quem sabe e quer comer os novos. Não posso dizer: "Não, não
vou te dar o pirulito'", brinca.
Do teste ao agrado
Submeter receitas que não
estão escritas em lugar nenhum ao escrutínio dos habitués e dos amigos também é um
artifício para testar a aceitação
das novidades antes de elas
chegarem ao grande público.
No Mocotó, não raro se vê
passar uma paçoca com ovo
mole, um miniescondidinho
com carne de panela e requeijão-do-norte e outros quitutes
que não estão no menu. "Isso
acontece principalmente no final de semana, quando tem
mais gente na casa. É uma maneira de termos retorno, de saber o que acharam", diz Rodrigo Oliveira, 28, chef do Mocotó.
"Quando a reação é muito boa,
aí começamos a repetir e a pensar em colocar o prato no cardápio."
A chegada de um "fora-do-cardápio" à mesa pode ser entendida ainda como um mimo.
"A gente procura privilegiar
quem vem sempre. Para quem
chega aqui pela primeira vez,
tudo é novidade", diz Oliveira.
"Um que não está escrito em lugar nenhum é o cozido de garrão [tendão no final do coxão
mole] do "seu" Zé Almeida [pai
do chef]. Só ele faz. Tem fãs
ilustres, como o Drauzio Varela
e o Laurent. Mas só tem quando o "seu" Zé está com disposição para a cozinha!"
Se há quem se sinta lisonjeado de provar as novidades, há,
por outro lado, os que têm apego aos sabores do passado. Em
restaurantes mais tradicionais,
como o Marcel e o Amadeus, os
clientes das antigas demandam
preparações que um dia já desfilaram pelo menu. "O Marcel é
o campeão mundial nisso", diz
Raphael Durand Despirite. "Alguns clientes têm uma relação
emocional com pratos da época
do meu avô. Não que eu ache a
melhor coisa do mundo, mas eu
faço. Pedem muito clássicos como o camarão biarritz e a truta
com amêndoas."
Texto Anterior: Nina Horta: Quaresma em ritmo de samba Próximo Texto: Televisão/Gastronomia: Chef inglês vai além da "receita perfeita" Índice
|