São Paulo, quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

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COMIDA

Os fora-do-cardápio

Os pratos não estão escritos no menu, mas rodam nas mesas dos habitués como um mimo ou enquanto são testados

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ferran Adrià comeu. Juan Mari Arzak e Martín Berasategui também. Quem pede o menu-degustação talvez já tenha experimentado. E, à exceção dos chefs da vanguarda espanhola e dos clientes mais assíduos, só têm chance de provar as esferas de feijoada do Maní aqueles muito bem informados e que vão direto ao assunto: "Vim para comer feijoadinha".
A receita local, desconstruída à la Adrià, não está no cardápio. É feita para poucos, assim como as esferas de jabuticaba e as de burrata, servidas num consumé de tomates. A aura de discrição que os envolve, ora ou outra quebrada pelo inevitável boca-a-boca, tem razão de ser?
"A gente sempre vai ter pratos assim, porque estamos tentando testar coisas novas. Mas não dá para fazer para todo mundo. Até colocar na rotina do trabalho, demora um tempo", diz Helena Rizzo, 30, chef do Maní. "Precisamos pegar o ritmo para fazer em quantidade. Se tivesse de servir um prato [grande] de feijoadinha, de certo não daríamos conta."
De preparo trabalhoso, artesanal, as bolinhas de feijoada foram oferecidas pela primeira vez em um jantar, no ano passado, para os chefs espanhóis. Desde então, têm atraído a atenção do público, que às vezes vai ao Maní só para prová-las. "Nossa maneira de divulgar pratos novos é no menu-degustação. Mas acabamos abrindo exceção para os curiosos, para quem sabe e quer comer os novos. Não posso dizer: "Não, não vou te dar o pirulito'", brinca.

Do teste ao agrado
Submeter receitas que não estão escritas em lugar nenhum ao escrutínio dos habitués e dos amigos também é um artifício para testar a aceitação das novidades antes de elas chegarem ao grande público.
No Mocotó, não raro se vê passar uma paçoca com ovo mole, um miniescondidinho com carne de panela e requeijão-do-norte e outros quitutes que não estão no menu. "Isso acontece principalmente no final de semana, quando tem mais gente na casa. É uma maneira de termos retorno, de saber o que acharam", diz Rodrigo Oliveira, 28, chef do Mocotó. "Quando a reação é muito boa, aí começamos a repetir e a pensar em colocar o prato no cardápio."
A chegada de um "fora-do-cardápio" à mesa pode ser entendida ainda como um mimo. "A gente procura privilegiar quem vem sempre. Para quem chega aqui pela primeira vez, tudo é novidade", diz Oliveira. "Um que não está escrito em lugar nenhum é o cozido de garrão [tendão no final do coxão mole] do "seu" Zé Almeida [pai do chef]. Só ele faz. Tem fãs ilustres, como o Drauzio Varela e o Laurent. Mas só tem quando o "seu" Zé está com disposição para a cozinha!"
Se há quem se sinta lisonjeado de provar as novidades, há, por outro lado, os que têm apego aos sabores do passado. Em restaurantes mais tradicionais, como o Marcel e o Amadeus, os clientes das antigas demandam preparações que um dia já desfilaram pelo menu. "O Marcel é o campeão mundial nisso", diz Raphael Durand Despirite. "Alguns clientes têm uma relação emocional com pratos da época do meu avô. Não que eu ache a melhor coisa do mundo, mas eu faço. Pedem muito clássicos como o camarão biarritz e a truta com amêndoas."


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