São Paulo, sábado, 26 de março de 2005

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CRÍTICA

Obra fica em cima de muros

CRÍTICO DA FOLHA

O que há de tão singular em Paulo Coelho que o público adora e a crítica odeia? Trata-se, talvez, da junção dos dois mundos de que fala o autor. Ele os chama de visível e invisível, e nós podemos denominar de ficção e não-ficção esotérica.
A ficção. Um escritor brasileiro famoso, incensado no exterior, onde mora, descobre que a mulher desapareceu. Junto dela estava seu intérprete cazaque, de codinome Mikhail. Esther, a mulher, é correspondente de guerra, e fica a dúvida se ela teria sido raptada por grupos terroristas.
Ou teria ela, cansada dos casos extraconjugais do marido, fugido com Mikhail, seu suposto amante? Finalmente sozinho no mundo, livre, o protagonista começa a desenvolver o tal "zahir" do título. De origem árabe, o termo implica algo com que entramos em contato e nos obceca a mente.
No caso do herói, é a obsessão amorosa, desencadeada pela perda do objeto amado. Essa idéia fixa o obriga a rever o passado, o casamento, e a envolver-se com uma seita mística do Casaquistão. Em certa altura, Mikhail reaparece e lhe revela que a verdade sobre Esther pode ser bem outra.
Ao desenrolar da história está colada a marcha de autodescoberta do herói, para a qual confluem as tais manifestações místicas. A tradição das estepes é descrita, com seu culto a uma deusa-mãe primordial. O leitor depara-se com frases como: "Tive contato com a energia do Universo; Deus passou por minha alma".
Embora inserido na ficção, o plano místico a ela transcende, pois busca transmitir um ensinamento. Trata-se de piscadelas autorais para que o leitor veja que aquele exemplo seguido pelo personagem pode ajudá-lo na vida real. A crítica não gosta de nada óbvio assim, e essa é uma das razões para seu descontentamento.
O outro está na maneira estranha como esses dois planos se unem. Temos um personagem por meio do qual uma lição será transmitida. Então, como compreendê-lo, ficcionalmente? Em várias instâncias, ele fala do Banco dos Favores, em que os favores recebidos num dado momento devem ser retribuídos mais tarde.
No entanto, na história do Brasil, a força do favor tem sido vista como mácula social desde a escravatura, quando a ajuda dos mandatários locais, por meio de favores pessoais, significava a diferença entre a ascensão e a queda de seus subordinados, livres ou não.
O herói traz, portanto, em si, traços negativos da cultura colonial ou, pelo contrário, o Banco dos Favores é uma grande rede de inter-relações éticas à qual todos devemos nos conformar, para o bem da humanidade? Não dá para saber. O personagem foge à análise, pois está e não está na ficção. É ficcional mas também um porta-voz das idéias do autor.
Esse procedimento dá margem a inconsistências e descoseduras, que desagradam à crítica, mas para as quais o público faz ouvidos de mercador. (MARCELO PEN)


O Zahir
  
Autor: Paulo Coelho
Editora: Rocco
Quanto: R$ 35 (320 págs.)



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