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CRÍTICA
Obra fica em cima de muros
CRÍTICO DA FOLHA
O que há de tão singular em
Paulo Coelho que o público
adora e a crítica odeia? Trata-se,
talvez, da junção dos dois mundos de que fala o autor. Ele os chama de visível e invisível, e nós podemos denominar de ficção e
não-ficção esotérica.
A ficção. Um escritor brasileiro
famoso, incensado no exterior,
onde mora, descobre que a mulher desapareceu. Junto dela estava seu intérprete cazaque, de codinome Mikhail. Esther, a mulher, é correspondente de guerra,
e fica a dúvida se ela teria sido raptada por grupos terroristas.
Ou teria ela, cansada dos casos
extraconjugais do marido, fugido
com Mikhail, seu suposto amante? Finalmente sozinho no mundo, livre, o protagonista começa a
desenvolver o tal "zahir" do título.
De origem árabe, o termo implica
algo com que entramos em contato e nos obceca a mente.
No caso do herói, é a obsessão
amorosa, desencadeada pela perda do objeto amado. Essa idéia fixa o obriga a rever o passado, o
casamento, e a envolver-se com
uma seita mística do Casaquistão.
Em certa altura, Mikhail reaparece e lhe revela que a verdade sobre
Esther pode ser bem outra.
Ao desenrolar da história está
colada a marcha de autodescoberta do herói, para a qual confluem as tais manifestações místicas. A tradição das estepes é descrita, com seu culto a uma deusa-mãe primordial. O leitor depara-se com frases como: "Tive contato
com a energia do Universo; Deus
passou por minha alma".
Embora inserido na ficção, o
plano místico a ela transcende,
pois busca transmitir um ensinamento. Trata-se de piscadelas autorais para que o leitor veja que
aquele exemplo seguido pelo personagem pode ajudá-lo na vida
real. A crítica não gosta de nada
óbvio assim, e essa é uma das razões para seu descontentamento.
O outro está na maneira estranha como esses dois planos se
unem. Temos um personagem
por meio do qual uma lição será
transmitida. Então, como compreendê-lo, ficcionalmente? Em
várias instâncias, ele fala do Banco
dos Favores, em que os favores recebidos num dado momento devem ser retribuídos mais tarde.
No entanto, na história do Brasil, a força do favor tem sido vista
como mácula social desde a escravatura, quando a ajuda dos mandatários locais, por meio de favores pessoais, significava a diferença entre a ascensão e a queda de
seus subordinados, livres ou não.
O herói traz, portanto, em si,
traços negativos da cultura colonial ou, pelo contrário, o Banco
dos Favores é uma grande rede de
inter-relações éticas à qual todos
devemos nos conformar, para o
bem da humanidade? Não dá para saber. O personagem foge à
análise, pois está e não está na ficção. É ficcional mas também um
porta-voz das idéias do autor.
Esse procedimento dá margem
a inconsistências e descoseduras,
que desagradam à crítica, mas para as quais o público faz ouvidos
de mercador.
(MARCELO PEN)
O Zahir
Autor: Paulo Coelho
Editora: Rocco
Quanto: R$ 35 (320 págs.)
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