São Paulo, segunda-feira, 26 de março de 2007

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Eu matei Paulo Ricardo

Superastro dos 80 conta como virou cantor brega nos 90 e o que fez para sair dessa; ex-RPM tem novo show e ensina rock na escola

Marcelo Ximenez/Folha Imagem
Em momento intimista, Paulo Ricardo canta algumas das músicas que fizeram a história do rock no curso da Casa do Saber


LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

IVAN FINOTTI
EDITOR DO FOLHATEEN

Paulo Ricardo foi assassinado. A tiros. Para fãs do RPM, alívio: o morto não é o vocalista da banda fenômeno dos anos 80, mas aquele romântico/brega do final dos 90.
Aos 44 anos, o astro do rock oitentista reflete sobre a viagem que fez por TVs populares e rádios sertanejas com cabelo curto, gravatas e paletós coloridos: "Admito que surtei".
À Folha, conta ter eliminado o personagem que criou, cantor das multidões que vendeu mais de meio milhão de CDs com baladas pegajosas e sucessos de Roberto Carlos.
A morte ocorreu em um retiro, quando ele abandonou também as drogas. Depois, quarentão zen, resolveu acabar com a disputa judicial contra Luiz Schiavon e Fernando Deluqui (tecladista e guitarrista do RPM), iniciada após a tentativa de retomar a banda, em 2002. "Eu e o P.A [baterista] queríamos modernizar; eles, o RPM clássico. Estavam certos."
Os quatro assinaram acordo para lançar em 13 de julho, Dia do Rock, uma caixa com os três CDs do RPM, que venderam mais de 3 milhões de cópias, além de um quarto com raridades e o DVD da turnê Rádio Pirata, que lotou estádios em 1986. Negociam uma nova reunião da banda para shows de lançamento desse material.
Enquanto isso, Paulo Ricardo, em carreira solo, pede, não sem uma ponta de ironia, "pelo amor de Deus" para entrar de novo no universo pop rock. Ele faz hoje, no Tom Jazz (av. Angélica, 2.331, tel. 0/xx/11/3255-3635), o segundo show da turnê do novo álbum, "Prisma".
Na primeira das quatro apresentações, na semana passada, cantou sucessos do RPM para uma platéia de 60 pessoas.
Abaixo, entre outras revelações, conta como abandonou o "delírio de tentar derrubar o muro de Berlim do preconceito entre o rock e o popular".
 
BRIGAS DO RPM
A história do RPM teve final feliz. Em 2006, depois de quase três anos na Justiça, assinamos um acordo. O motivo do segundo racha, após a volta do RPM em 2002, foi a minha vontade de impor uma modernização à banda. Eu e o [baterista Paulo] P.A [Pagni] achávamos que Revoluções por Minuto pressupunha constante movimento. O [tecladista Luiz] Schiavon e o [guitarrista Fernando] Deluqui queriam continuar o RPM clássico. Após refletir, liguei para eles: "Vocês estavam certos; eu estava errado. Vamos fazer as pazes". Não dá para o RPM não ser classic rock brasileiro. Aquela fase marcou muito. Além disso, não houve continuidade. Querer retomar e pular do colegial para o mestrado é impossível. O fã iria dizer que o RPM estava traindo o RPM.

LENNON E McCARTNEY
O conceito do RPM foi desenvolvido por mim e pelo Schiavon. Na época, dividimos tudo meio a meio. Tivemos uma briga na turnê de 86 e passamos a estabelecer porcentagens de acordo com a participação de cada um. Não foi ético eu dizer o que disse [há dois anos, Paulo Ricardo reclamou de que, devido a um "acordo imbecil", Schiavon recebia direitos autorais de sua "Rádio Pirata"]. Mesmo que eu tenha feito acordes ou desenvolvido a melodia, não existiria o RPM sem ele.

ROMÂNTICO/BREGA
Essa fase veio quando me vi embarreirado pelo pessoal do pop rock, um pouco porque consideraram que fui eu, com meu ego imenso, que terminei com o RPM, o que não foi verdade. Sei que vou sofrer sempre esse negócio de fãs do RPM que se sentiram traídos pelo vocalista megalômano que abandonou a banda egoisticamente para se dedicar à carreira solo.
Encontrei o [compositor de hits populares] Michael Sullivan, compusemos "Dois", que ficou quatro meses no primeiro lugar das paradas. O CD vendeu meio milhão de cópias. Fizemos em espanhol para 36 países. Falei: "Quer saber, esse negócio de rock é um rótulo muito pequeno. Vou experimentar".

O PERSONAGEM
Curti aquele personagem, o cantor das multidões. Usava paletó colorido, gravata, cada aberração... Até casaco de zebra! Um dia, meu primo estava num táxi e, no rádio, tocava "Dois". Ele falou: "É meu primo, o Paulo Ricardo, do RPM". E o taxista: "Não, esse Paulo Ricardo não é aquele do RPM, não. É outro. É o Paulo Ricardo Dois". Ele tinha razão.

DOIS BRASIS
Fui muito bem recebido por um segmento que não costumava freqüentar, como rádios sertanejas. São dois brasis completamente diferentes que não se bicam. Muita gente ali nem sabia que eu era do RPM e muita gente do mundinho aqui nem soube o que eu fiz ali.

DROGAS
Como a experiência foi muito intensa nos anos 80, quem sobreviveu entrou com cuidado nos 90. No rock, convivemos de perto com experiências pesadas. Fui visitar o Lobão em cana, Arnaldo [Antunes], [Tony] Belloto. Teve Cazuza, Renato [Russo]. Não se deve demonizar as drogas, mas vamos admitir: é uma puta perda de tempo. No fim dos 90, fiquei quase sem voz num período de shows.

O ASSASSINATO
Para recuperar a voz, tive que passar um mês em silêncio no sítio de um amigo. Foi quando decidi parar com as drogas. Já não usava mais cocaína e resolvi largar o baseado. Também cheguei a outra conclusão: "Vou assassinar o Paulo Ricardo Dois. Vem cá, Paulão, pá, pá, pá [imita revólver com a mão]. Desculpe cara, era eu ou você". Parte do problema da voz era emocional. A minha voz falou: "Se quer pagar esse mico, vai aí, mas eu tô fora". Aquilo havia passado do limite. Eu tinha um delírio de unir os brasis, derrubar os muros de Berlim do preconceito do rock e do popular. Isso não é fácil assim.

O SURTO
Aquele cara não existe mais, e estou confortável sendo quem sempre fui. Admito que surtei. Tinha sido bem tratado por todo mundo lá, principalmente pelo público. Mas, com o tempo, eu me senti deslocado. Liguei para o empresário e disse: "Não vou fazer mais nada". E ele: "Você está louco? Temos um CD para lançar". Respondi: "Não, eu estava louco".

VOLTA AO POP ROCK
Pensei: "I wanna go home" [quero voltar para casa]. Mas me responderam: "Não, você foi para o Afeganistão. Não volta mais para os EUA". Agora estou na sala de espera. Pelo amor de Deus, deixa eu entrar! [risos]


NA INTERNET - Leia a íntegra da entrevista com Paulo Ricardo www.folha.com.br/070822


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