São Paulo, sábado, 26 de junho de 2004

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"A DITADURA ENCURRALADA"

A última cartada


Pressionado por todos os lados, Geisel demite o ministro do Exército

Obra traz fatos novos, como os contatos do SNI com o general Spínola, e relata, em ritmo de "thriller", a queda de Frota



DA REDAÇÃO

O general Ernesto Geisel não tinha em mente um projeto democrático, apenas um plano de institucionalização do regime que concederia terreno para o exercício da liberdade "responsável", sem abrir mão de instrumentos ditatoriais. Queria colocar uma pedra sobre o histórico de torturas e mortes do porão e, ao mesmo tempo, manter de pé os ideais do golpe militar de 1964.
Esse projeto, representado pela idéia da "distensão" política, desagradava tanto a extrema-direita e os agentes dos órgãos de segurança quanto a oposição liberal e de esquerda. Classificado por Gaspari como "árbitro do gradualismo", Geisel via-se ora "emparedado" pelos seus radicais, ora pressionado pela crescente insatisfação da chamada "sociedade civil". É nos interstícios dessa dialética que se desdobra a narrativa de "A Ditadura Encurralada". Gaspari retrata a "anarquia" do porão, as reações da oposição -consentida ou não- e os passos de Geisel e de seu chefe do Gabinete Civil, general Golbery do Couto e Silva.
Do porão emergem alguns episódios conhecidos e outros inéditos. Caso, por exemplo, dos detalhes acerca dos espantosos contatos entre o SNI e o general Antônio de Spínola, o lendário líder da revolução portuguesa de abril de 1974, que perdera poder, tentara um golpe e fugira para a Espanha, em março de 1975.
Spínola queria o apoio da ditadura brasileira para um plano mirabolante de invadir seu país. Não conseguiu exatamente o que desejava, mas se reuniu com coronéis do SNI e obteve alguma ajuda -como dinheiro e documentação falsa.
Outro episódio conhecido, ao qual o livro acrescenta informações desconhecidas, é o encontro entre Rosalyn Carter e Geisel. A mulher do novo presidente norte-americano veio ao Brasil para tratar de uma nova agenda internacional da potência que apoiara o golpe de 1964: os direitos humanos. Seus diálogos com um furibundo presidente Geisel são reproduzidos com minúcias por Gaspari, que teve acesso às notas da tradutora.
A política externa de Carter foi um novo complicador para a ditadura brasileira, que via erodir alguns pilares de suas bases de sustentação. A deterioração do "milagre econômico", a inflação, o choque do petróleo, a estatização desenfrada, o dispendioso acordo nuclear com a Alemanha e o surpreendente reconhecimento do novo governo de Angola, apoiado por Fidel Castro, contribuíram para gerar insatisfações internas e externas, tanto à direita quanto à esquerda. O próprio empresariado paulista, que sempre se mantivera ao lado do regime, começava a emitir alguns sinais de descontentamento.
Emparedado pelo porão, atacado pela oposição e pelos estudantes, Geisel procurava administrar a situação distribuindo punições e concessões a todos os lados. Precisava, no entanto, tratar do futuro de seu projeto. E isso significava começar, com a necessária antecedência, a escolher seu sucessor. Muitos nomes foram cogitados, mas nenhum deles afastou Geisel e Golbery do preferido: o general João Baptista de Figueiredo, o comandante do SNI.
O primitivo general ungido por Geisel, cuja Presidência veio a se revelar um completo desastre, era a alternativa ao candidato do porão e da extrema-direita, o general Sylvio Frota. Inúmeras vezes o presidente já havia pensado em demiti-lo, mas em todas elas Frota soube defender suas peças e evitar o xeque-mate.
Finalmente, em 12 de outubro de 1977, Frota perdeu a partida. Gaspari recorre a imagens do jogo de xadrez para narrar -em ritmo de "thriller"- os movimentos de Geisel para bater o oponente. Demitido, Frota divulgou um manifesto denunciando a "complacência criminosa com a infiltração comunista e a propaganda esquerdista". O que veio depois, Gaspari narrará no próximo e último volume de sua obra -que começará a escrever proximamente na Universidade de Harvard, nos EUA (MAG)


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