São Paulo, domingo, 26 de junho de 2005

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CRÍTICA

Publicidade não pode se pretender ingênua

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Desta vez , foram os educadores que protestaram. O "xis" da questão é uma propaganda da Volkswagen que estimularia a cola: em uma sala de aula, meninas tentam espiar o exercício dos colegas. Dois garotos recusam e recebem olhares de reprovação; um terceiro, ao contrário, levanta o braço e deixa a colega olhar. Sob os dois primeiros, uma legenda explica que serão engenheiros de empresas concorrentes da Volks; o terceiro, será um futuro profissional da empresa.
É tão eloquente em relação a estereótipos e preconceitos que dá preguiça: o respeito à regra é coisa de alemão e o jeitinho com pitadas de contravenção, brasileiro, meninos tornam-se engenheiros enquanto meninas conquistam na base do charme; a imagem da situação escolar como ambiente opressivo que só os otários levam a sério e por aí vai.
Educadores reclamaram, a Volkswagen dá uma desculpa ótima: que a situação representada no comercial não seria de prova e sim, de exercício em sala de aula. Como se se não estivesse na situação formal de prova, a "falta" ficasse atenuada - qualquer professor diria que não faz a menor diferença.
Ainda segundo a montadora, "o objetivo do comercial é mostrar que as outras marcas alemãs são tão boas quanto a Volkswagen, [...] mas são exclusivistas. Como conclui o filme, a tecnologia da Volkswagen está ao alcance de todos". A defesa é capenga demais e não consegue responder a contento a questão: por que é que a publicidade flerta com a deseducação e os preconceitos?
O anúncio da Volkswagen é só mais um entre muitos que se utiliza, mais ou menos levianamente, de imagens e situações em que se mostram comportamentos moralmente discutíveis, para dizer o mínimo. De certa forma, como eles, os publicitários costumam se justificar, poderia parecer que não é nada além do que já acontece em termos sociais ou seja, refletiria uma crise pesada (e bota pesada nisso) de valores etc. Esse argumento "realista" talvez colasse, mas só se a gente não lembrasse que propaganda não é, como querem fazer acreditar os publicitários, arte.
Há um grau de intencionalidade (e, portanto, de controle) na elaboração de uma peça publicitária que afasta qualquer possibilidade de representação simplesmente. Ao representar, a publicidade carrega cada detalhe de valores -afinal, o anúncio serve para distinguir um produto entre outros, para convencer que "a" é melhor que "b", que isso deve ser consumido, e aquilo não, e assim por diante.
A publicidade, portanto, não tem o direito de se pretender ingênua. Ela serve para que o consumidor faça escolhas bem diretas, bem específicas e, nesse sentido, quando abandona o simplismo (compre o produto tal) e parte para os chamados conceitos, acaba por se constituir como uma das formas mais veementemente morais que circulam hoje em dia. O que, evidentemente, é um problema e grande.


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