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CRÍTICA ROMANCE
Sarah Waters cria excelente mistura de gêneros literários
Em "Estranha Presença", autora associa terror a relato sobre decadência familiar
THALES DE MENEZES
EDITOR-ASSISTENTE DA SÃOPAULO
Aos 44 anos, a escritora
galesa Sarah Waters coleciona prêmios e muitos livros
vendidos. Quando quer ser
ranzinza com ela, o que é raro, a crítica diz que a autora
se apropria de estilos literários de outras épocas e recria
histórias em cima deles.
Uma possível comparação
seria dizer que Waters é uma
"Quentin Tarantino do papel". O diretor americano
adora pegar um gênero cinematográfico bem definido
(filme B, black explotation,
kung fu...) e construir seu
próprio exemplar.
O livro mais recente da escritora, "Estranha Presença", reforça o mecanismo. É
uma mistura excepcionalmente bem escrita de terror e
romances sobre aristocráticas famílias decadentes.
Difícil resistir a rotular a
obra como o encontro entre
"Memórias de Brideshead"
(1945), de Evelyn Waugh, e
"A Queda da Casa de Usher"
(1839), de Edgar Allan Poe.
Mas tal atitude reduz a força
de uma autora de talento.
SUCESSO RÁPIDO
Os primeiros livros de Waters, "Tipping the Velvet"
(1998) e "Affinity" (1999), se
passam na era vitoriana e trazem personagens lésbicas.
"Na Ponta dos Dedos" (2002)
é decalcado em Charles Dickens. O sucesso veio rápido.
A capacidade de reconstituir uma época com saborosos detalhes se deslocou para
a Londres na Segunda Guerra em "Ronda Noturna"
(2006), seu melhor livro.
Conta a história de quatro
personagens que tentam levar uma vida razoavelmente
normal enquanto as sirenes
de alerta de bombardeio tocam, com sequências de refinado erotismo.
"Estranha Presença", sua
primeira obra sem personagens homossexuais, não chega à mesma excelência, mas
a prosa fluida que se equilibra entre humor e amargura
prende o leitor.
Por cerca de 200 páginas,
ele acompanha Faraday, médico de uma cidadezinha no
final dos anos 1940 que volta
a frequentar a mansão da
quase falida família Ayres.
A mãe de Faraday trabalhou na casa quando ele era
garoto e o lugar sempre o fascinou. Agora, conhece o que
restou do clã: a mãe, ainda
imponente, e o casal de filhos
(ela, uma moça sem maiores
atrativos; ele, um manco).
O relato das visitas do médico expõe seus sentimentos
pelos Ayres -entre a pena e a
admiração. Quando a terceira centena de páginas está
quase completa, o livro se
transforma e o medo entra no
enredo para dar o tom.
SOLUÇÕES PREVISÍVEIS
Não cabe aqui adiantar os
estranhos fenômenos que
ocorrem na mansão. Há muito prazer em descobrir cada
um na narrativa de Waters.
Como trabalha muito com
gêneros tão conhecidos, às
vezes Waters cai na obviedade. Como em "Na Ponta dos
Dedos", há algumas soluções previsíveis na trama.
Mas o prazer da narrativa envolvente da escritora torna
tudo perdoável.
"Estranha Presença" parece uma obra esquecida há
tempos numa estante. Transporta o leitor para outro
mundo, mais lento e antiquado, mas muito prazeroso.
ESTRANHA PRESENÇA
AUTOR Sarah Waters
TRADUÇÃO Ana Luiza Dantas Borges
EDITORA Record
QUANTO R$ 57,90 (448 págs.)
AVALIAÇÃO bom
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