São Paulo, sábado, 26 de junho de 2010

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CRÍTICA ROMANCE

Sarah Waters cria excelente mistura de gêneros literários

Em "Estranha Presença", autora associa terror a relato sobre decadência familiar

THALES DE MENEZES
EDITOR-ASSISTENTE DA SÃOPAULO

Aos 44 anos, a escritora galesa Sarah Waters coleciona prêmios e muitos livros vendidos. Quando quer ser ranzinza com ela, o que é raro, a crítica diz que a autora se apropria de estilos literários de outras épocas e recria histórias em cima deles.
Uma possível comparação seria dizer que Waters é uma "Quentin Tarantino do papel". O diretor americano adora pegar um gênero cinematográfico bem definido (filme B, black explotation, kung fu...) e construir seu próprio exemplar.
O livro mais recente da escritora, "Estranha Presença", reforça o mecanismo. É uma mistura excepcionalmente bem escrita de terror e romances sobre aristocráticas famílias decadentes.
Difícil resistir a rotular a obra como o encontro entre "Memórias de Brideshead" (1945), de Evelyn Waugh, e "A Queda da Casa de Usher" (1839), de Edgar Allan Poe. Mas tal atitude reduz a força de uma autora de talento.

SUCESSO RÁPIDO
Os primeiros livros de Waters, "Tipping the Velvet" (1998) e "Affinity" (1999), se passam na era vitoriana e trazem personagens lésbicas.
"Na Ponta dos Dedos" (2002) é decalcado em Charles Dickens. O sucesso veio rápido.
A capacidade de reconstituir uma época com saborosos detalhes se deslocou para a Londres na Segunda Guerra em "Ronda Noturna" (2006), seu melhor livro.
Conta a história de quatro personagens que tentam levar uma vida razoavelmente normal enquanto as sirenes de alerta de bombardeio tocam, com sequências de refinado erotismo.
"Estranha Presença", sua primeira obra sem personagens homossexuais, não chega à mesma excelência, mas a prosa fluida que se equilibra entre humor e amargura prende o leitor.
Por cerca de 200 páginas, ele acompanha Faraday, médico de uma cidadezinha no final dos anos 1940 que volta a frequentar a mansão da quase falida família Ayres.
A mãe de Faraday trabalhou na casa quando ele era garoto e o lugar sempre o fascinou. Agora, conhece o que restou do clã: a mãe, ainda imponente, e o casal de filhos (ela, uma moça sem maiores atrativos; ele, um manco).
O relato das visitas do médico expõe seus sentimentos pelos Ayres -entre a pena e a admiração. Quando a terceira centena de páginas está quase completa, o livro se transforma e o medo entra no enredo para dar o tom.

SOLUÇÕES PREVISÍVEIS
Não cabe aqui adiantar os estranhos fenômenos que ocorrem na mansão. Há muito prazer em descobrir cada um na narrativa de Waters.
Como trabalha muito com gêneros tão conhecidos, às vezes Waters cai na obviedade. Como em "Na Ponta dos Dedos", há algumas soluções previsíveis na trama. Mas o prazer da narrativa envolvente da escritora torna tudo perdoável.
"Estranha Presença" parece uma obra esquecida há tempos numa estante. Transporta o leitor para outro mundo, mais lento e antiquado, mas muito prazeroso.


ESTRANHA PRESENÇA

AUTOR Sarah Waters
TRADUÇÃO Ana Luiza Dantas Borges
EDITORA Record
QUANTO R$ 57,90 (448 págs.)
AVALIAÇÃO bom



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