São Paulo, Segunda-feira, 26 de Julho de 1999
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ARTES PLÁSTICAS
"Modernidad Brasil", em Lima, apresenta obras modernistas raramente exibidas por aqui
Peru vê o que o Brasil ainda pouco viu

CELSO FIORAVANTE
enviado especial a Lima

"Foi preciso vir a Lima para que eu visse tão bons quadros da nossa pintura", escreveu o presidente Fernando Henrique no livro de honra do museu Pedro de Osma, em Lima (Peru), depois de inaugurar a mostra "Modernidad Brasil", na última quinta-feira.
O presidente está certo. As cerca de 50 obras apresentadas (pinturas, esculturas e xilogravuras) são uma boa seleção do que de melhor o país produziu entre os anos 10 e 40 e exemplificam tanto os cânones europeus que influenciavam a produção brasileira no período quanto o rompimento com eles e o consequente início de uma identidade pictórica nacional.
O fato de o presidente ter se espantado com o conjunto apresentado também é explicável. Vários trabalhos pertencem a coleções particulares e poucas vezes foram apresentados publicamente.
Da musa modernista Tarsila do Amaral, por exemplo, a exposição conta com a tela "Composição" (1930), que apresenta uma figura feminina de costas, com cabelos que atravessam horizontalmente toda a tela, observando uma paisagem estilizada. O trabalho é um dos últimos de seu período antropofágico, caracterizado pela absoluta simplificação do campo visual, pelo uso de massas de cor e pela luminosidade das cenas.
Anita Malfatti, sua contemporânea, comparece com "O Homem Amarelo" (1915/16), ícone do modernismo que gerou o artigo "Paranóia ou Mistificação" (1917), em que Monteiro Lobato criticou as inovações modernistas da obra e de sua autora. Também está na mostra a tela "Ventania" (1915), em que se nota ainda sua ligação com movimentos europeus, como o expressionismo de Van Gogh, fato notado pelo presidente. "Esse parece um Van Gogh", disse Fernando Henrique ao presidente do Peru, Alberto Fujimori, que o acompanhou na visita. Além dos dois, estavam presentes na abertura Edemar Cid Ferreira, presidente da Associação Brasil 500 Anos (que organizou a mostra), e os diretores Pedro Paulo de Sena Madureira e Beatriz Pimenta Camargo (que cedeu à mostra uma tela de Guignard de sua coleção).
O expressionismo do pintor holandês é apenas uma das referências detectáveis na mostra. A arte decô comparece na escultura em mármore "Crucificado", de Victor Brecheret, e nas telas de Antonio Gomide ("Retrato de Vera Vicente de Azevedo") e Vicente do Rego Monteiro ("Mulher Sentada" e "O Arqueiro"). O surrealismo está em "Ascensão Definitiva de Cristo", de Flávio de Carvalho. E o cubismo se nota em "A Tocadora de Guitarra", outra escultura de Brecheret, e na tela "Noivos", de Ismael Nery, artista de destaque do evento.
Apesar de ter vivido apenas 33 anos (morreu em 1934), Nery foi uma espécie de multihomem. Além de pintor e exímio desenhista, também foi poeta, filósofo, bailarino e figurinista, entre outras coisas. Tamanho talento, porém, foi injustiçado em vida e continua pouco lembrado depois de sua morte, embora a mostra venha lhe fazer justiça. Ele comparece com duas telas magistrais.
"Noivos" é cubista por excelência. Parece ter saído dos próprios pincéis de Picasso, seja pelos traços certeiros do desenho (o rapaz tem perfil helênico, como em vários trabalhos do espanhol), seja pelo erotismo do tema (outra obsessão de Picasso), seja pela predomínio da cor azul na cena ou ainda pela balanceada composição, em que os dois corpos ocupam parte da mesma superfície, criando assim uma ilusão de volume e movimento na tela plana (uma característica do cubismo).
Nery também está representado com a extremamente erótica "Mulher Sentada com um Ramo de Flores", em que uma jovem seminua repousa, lânguida, sobre poltrona vermelha, com um fálico ramo de flores nas mãos, propositalmente disposto em direção à sua semi-encoberta vagina.
Curada por Nelson Aguilar, a mostra traz ainda trabalhos de Di Cavalcanti, Volpi, Lasar Segall, Lívio Abramo, Maria Martins, Goeldi, Portinari e Cícero Dias.


O jornalista Celso Fioravante viajou a Lima a convite da Associação Brasil 500 Anos

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