São Paulo, sexta-feira, 26 de agosto de 2005

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ERIKA PALOMINO

GERACIONAL, NOITE ILUSTRADA AGORA É NOME DE TÚNEL

Nem sei por onde começar. Como rever 17 anos em duas páginas? Em vez de tentar cronologias, datas, retrospectivas, preferi seguir flashes que espoucaram em minha cabeça nos últimos dias. Além disso, memória clubber é meio omelete mesmo...
Só sei que, em 88, a acid house explodia, trazendo um novo movimento de quadris ao mundo. Era uma tal de cultura club, que lentamente começava a respingar por aqui com roupas extravagantes e comportamentos mais liberados. O mundo aprendia a conviver com a Aids. Em São Paulo cabíamos, como disse Marcelo Rubens Paiva num texto histórico, numa Kombi. Tempos difíceis para o Brasil, e no ano de minha estréia como colunista o presidente da República sofria um impeachment. Lembramos do resto.
De lá para cá, 13 anos se passaram. Ainda não tenho o distanciamento necessário para análises inteligentes. Também deixo isso para as dezenas de estudiosos que perdem tempo com teses acadêmicas sobre esta coluna e sobre sua linguagem tosca.
Da minha parte, tentando ao máximo evitar sentimentos de nostalgia, identifico a inexorável mudança dos tempos com a perda de uma certa ingenuidade -minha e do país. Conjugo da tristeza geral diante de tudo, ainda que minha esperança em relação ao futuro siga brasileiramente impoluta.
De 88 até aqui, os 13 da Kombi se transformaram em 2 milhões na Parada Gay, em uns 200 mil na parada eletrônica, em uns 80 mil nos festivais pagos. Mas sem jornalismo de números. Prefiro me ligar na importância do que relatei aqui. Vieram gays, drag queens, travestis e bolachas (as lésbicas até então invisíveis). Em seu hedonismo, vieram as barbies descamisadas e os insones clubbers, atravessando madrugadas dançando gêneros musicais que se modificavam a cada fim-de-semana.
A juventude brasileira se tornava globalizada e, aos poucos, passou a liderar o planeta em talento, "savoir-faire" e energia. E Marky, um garoto vindo das periferias da cidade, transformou-se em herói.
São Paulo tornou-se referência internacional de música, moda e noite. Nosso complexo de povo colonizado se transformou em auto-estima. Esta coluna conseguiu, felizmente, prever e acompanhar a mudança dos ventos, como a chegada do electro, a poderosa entrada do funk e, finalmente, a ascensão do rock. Missão cumprida.
A premiação dos dez anos da votação dos meus leitores, chamada Melhores da Noite Ilustrada, aconteceu no Teatro Municipal de São Paulo em 2002. Foi um dos momentos mais importantes da minha vida. Todo mundo estava lá, incluindo o sambista Noite Ilustrada, que inspirou o nome da coluna. Recentemente, o túnel por onde passo para chegar em casa, o buraco da Rebouças para o Pacaembu, foi batizado com o nome dele. E eu sorrio toda vez que vejo a placa.


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