São Paulo, terça-feira, 26 de agosto de 2008

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a reconquista de Adriano

Comparado a Obama, imperador romano do século 2 volta aos holofotes com grande mostra no British Museum, filme com Banderas e documentário da BBC

GABRIELA LONGMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LONDRES

De tempos em tempos, algum personagem histórico sai da estante empoeirada para novos holofotes. A abertura de uma megaexposição pelo British Museum há um mês, um documentário da BBC e a adaptação para o cinema do romance de Marguerite Yourcenar ("Memórias de Adriano") jogam o controverso imperador romano do século 2 no centro das releituras históricas e culturais da temporada.
A soma de acontecimentos tem levado a imprensa européia a comparar o interesse por Adriano à "moda" Tutancâmon vivida pela Inglaterra nos anos 70 e a procurar certos sinais de "atualidade" no imperador, a começar por sua atuação na antiga Mesopotâmia, hoje Iraque. Herdeiro do império no momento de sua máxima extensão, Adriano teve que lidar com uma campanha militar problemática na região.
"É a história do jovem chefe de Estado de uma grande potência cuja primeira decisão é a de se retirar do Iraque, onde seus exércitos estão afundados nos conflitos. Obama? Não, Adriano", escreveu o jornal francês "Le Monde".

Paixão gay
Um artigo do jornal inglês "Sunday Times" comenta a transformação de Adriano em símbolo gay contemporâneo, graças à relação declarada e expansiva com o jovem grego Antínoo -grande paixão do imperador, a quem dedicou templos e uma cidade perto do local de sua morte.
Essa atualidade se traduz em sucesso de público. A mostra teve 12 mil ingressos vendidos pela internet antes da abertura (um recorde para o museu). O cinema também deve faturar com a onda: o filme do britânico John Boorman, esperado para 2010, tem Antonio Banderas previsto para o papel do imperador e filmagens na Itália, na Espanha e no Marrocos.
"Foi uma feliz coincidência. Decidimos montar a exposição e apenas há poucos meses soube da produção do filme. Mesmo que ele seja bastante ficcional, ajuda a aumentar a curiosidade do público em torno de Adriano", disse à Folha Thorsten Opper, curador de escultura grega e romana do museu e um dos responsáveis pela exposição do British Museum.

Novas descobertas
Com cerca de 180 peças, vindas de 28 museus diferentes, a mostra, em cartaz até 26 de outubro, reúne estátuas em mármore e bronze, ânforas, bustos, moedas, pequenos objetos e uma maquete da Vila Adriana, em Tivoli, agrupados numa grande área circular, o antigo Reading Room do museu.
Encontrados em julho do ano passado durante escavações na antiga cidade de Sagalassos (sudoeste da Turquia), a cabeça e um pé de uma enorme estátua do imperador são apresentados ao público pela primeira vez. "Essas descobertas nos levam a colocar novas questões", disse o curador. "Ainda que baseado numa pesquisa histórica muito densa, o livro de Yourcenar refletia questões e preocupações do pós-guerra. O mundo mudou bastante de lá para cá, e me parece o momento de tentarmos outras abordagens para entender essa figura", afirma (leia mais no texto ao lado).
A importância do azeite de oliva para a cozinha, higiene, medicina e iluminação de Roma, além do comércio com os impérios chinês e persa, são alguns dos temas tratados pela mostra. Uma seção é dedicada à contenção da revolta judaica e à refundação de Jerusalém.
"Ainda há muita coisa a ser encontrada. Escavações importantes estão sendo feitas nesse momento em Israel, e penso que novidades devem surgir nos próximos anos", afirma Thorsten Opper.
Os maiores esforços, entretanto, estão na compreensão da personalidade complexa do imperador: general sangüinário e homem de letras; administrador regrado e amante incontrolável. Admirador da cultura e arquitetura gregas, ele foi o primeiro imperador a usar a barba cheia -a estética romana preferia o rosto limpo e barbeado.
Com os escassos registros escritos que sobreviveram, as estátuas ainda são o principal meio para entender tanto o casamento com Sabina quanto o envolvimento com Antínoo.

Documentário
Lançado paralelamente à exposição, um documentário assinado pelo historiador Dan Snow e produzido pela BBC percorre o muro de 117 km construído pelo imperador entre a Inglaterra e a Escócia, para conter os exércitos inimigos vindos do Norte.
"É com outros olhos que vejo a faixa de Gaza", comenta o curador do British Museum.
Por conta da "euforia" Adriano, algumas cidades britânicas à beira do muro, como Newcastle, esperam um aumento da visitação nos próximos anos.


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