São Paulo, quarta, 26 de agosto de 1998

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Brasil lê Borges completo


María Kodama vem ao Brasil lançar primeiro volume das 'Obras Completas' do escritor argentino, que faria cem anos em 1999


MAURÍCIO SANTANA DIAS

da Redação

"O exercício das letras pode promover a ambição de se construir um livro absoluto, um livro dos livros que inclua todos os outros como um arquétipo platônico, um objeto cuja virtude não diminua com os anos." J. L. Borges, em "Nota sobre Walt Whitman"

Antecipando-se às comemorações do centenário de nascimento de Jorge Luis Borges (1899-1986), a editora Globo lança nesta semana o primeiro dos quatro volumes que integrarão as "Obras Completas" do escritor argentino. O lançamento será acompanhado por uma programação que inclui mesa redonda com Maria Kodama, viúva de Borges, e uma mostra de filmes -entre eles "A Estratégia da Aranha", de Bertolucci, e "O Homem de Aran", de Robert Flaherty.
O primeiro volume traz, em ordem cronológica, os três livros iniciais da poesia ("Fervor de Buenos Aires", "Lua Defronte" e "Caderno San Martín", até então inéditos em português), um estudo monográfico ("Evaristo Carriego"), duas coletâneas de ensaios ("Discussão" e "História da Eternidade") e três livros de contos ("História Universal da Infâmia", "Ficções" e "O Aleph"), abrangendo o período que vai de 1923 a 1949.
As traduções, que tiveram a assessoria do professor Jorge Schwartz e foram revistas por Maria Carolina de Araujo, são de um modo geral competentes e corretas, mas a edição ganharia muito se reproduzisse os poemas originais de Borges, acompanhando as versões em português.
Uma das novidades desta edição é a tradução de "História Universal da Infâmia", feita pelo crítico Alexandre Eulálio, que substitui a de Flávio José Cardozo -responsável pela competente tradução de "O Aleph".
Um problema da presente edição -que segue rigorosamente, por motivos contratuais, a da editora argentina Emecé- é a ausência de um índice remissivo de assuntos e nomes, o que facilitaria a leitura, devido às inúmeras referências dos textos borgianos.

Obsessão
A obra de Jorge Luis Borges tem se tornado quase uma obsessão para parte dos autores contemporâneos. Entende-se. Borges tinha a capacidade de extrair ficções das coisas mais comuns e das mais bizarras, mesclando registros literários e imantando toda a tradição -de Homero a Dashiel Hammett- com sua palavra.
Seu texto incorpora o melhor da tradição oral, dando muitas vezes a impressão de que o autor simplesmente se pôs a falar aos que lhe estão próximos. No entanto, essa oralidade é apenas aparente; por baixo da fluência das frases há um intenso trabalho estilístico, cujo esforço é escamoteado.

Os infinitos de Borges
Quem se deparar pela primeira vez com a obra de Jorge Luis Borges logo perceberá que ela é movida por uma mola mestra: a vontade enciclopédica de incluir um máximo de experiência em unidades mínimas.
A doutrina gnóstica, a cabala, o zen-budismo, toda a literatura inglesa (da qual ele era mestre), Dante, os tratados de ciência natural, o barroco espanhol, Buenos Aires, tudo converge para os pequenos textos criados por ele -que ao final compõem uma espécie de constelação.
Por paradoxal que seja, é justamente a brevidade e a rapidez de suas narrativas que possibilitam esse máximo de acúmulo. E nisso a literatura de Borges está afinada com a sensibilidade atual, que demanda agilidade cada vez maior, à medida que se adensa a quantidade de referências a ser apreendida.
Contudo, as constelações borgianas não são um mero agregado de disparates, mas obedecem a um estrito sistema de predileções. Na verdade, se bem observado, o universo borgiano se compõe de poucas coisas, sempre as mesmas. Como os grandes autores deste século, Borges tinha fixação em algumas imagens e temas que hoje já se tornaram o que se poderia chamar de "repertório borgiano" (tal como há o "repertório kafkiano"): labirintos, espelhos, bibliotecas, infernos e ruínas.
Nesse sentido, o conto "O Aleph" pode ser lido como um emblema do conjunto da obra. A concentração de toda a experiência humana possível, de todo o imaginável e inimaginável num pequeno objeto esquecido em um porão realiza, em miniatura, o sonho borgiano de fazer caber o infinito em um fragmento narrativo.

Livro: Obras Completas - volume 1
Autor: Jorge Luis Borges
Lançamento: Globo
Quanto: R$ 44 (750 págs.)

Mostra: Borges e o Cinema
Quando: entre 28 de agosto e 3 de setembro; sempre às 21h30
Onde: Espaço Unibanco de Cinema - sala 4 (r. Augusta, 1.474, tel. 011/287-5590)



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