São Paulo, quarta, 26 de agosto de 1998

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CRÍTICA

Disco mistura rock progressivo, lounge e chorinho

da Reportagem Local

A quem sinta falta de consistência na atual MPB, o Mundo Livre S.A. sempre andou fornecendo tratados de consistência ao pop. Pois bem, "Carnaval na Obra" vem aprofundar um pouco mais essa tendência.
É o CD mais complexo da banda, após a estréia no tapa com "Samba Esquema Noise" (94) e o melódico "Guentando a Ôia" (96) -por complexo, pode-se ler difícil, pesado, pouco palatável.
De cara (talvez para compensar o atraso sempre colado nos calcanhares da banda), é um CD longuíssimo -70 minutos de duração, 14 faixas extensas. As melodias, por vezes, são menos fluentes que outras que o grupo já fez.
E há as sempre constantes preocupações políticas de Fred Zero Quatro -as referências englobam lobistas ("Negócio do Brasil"), "imprensa livre" ("Novos Eldorados"), terrorismo ("Quem Tem Bit Tem Tudo", com participação de Anónimo, da banda mexicana Café Tacuba), proletariado terceiro-mundista ("Bolo de Ameixa", "Carnaval na Obra").
Tudo isso torna o CD -e isso é regra no pop pernambucano dos 90- passível de receber aquele rótulo infame de "álbum conceitual". "Carnaval na Obra" se encaixa no rótulo ainda mais por flertar, em várias passagens, com o antes aparentemente morto e enterrado rock progressivo.
Há faixas climáticas, espaciais (a belíssima "Quarta Parede", "Compromisso de Morte", a bem lounge "Meu Quinto Elemento"). Zero Quatro admite ter ouvido Yes nos 70, confessa-se admirador do neoprogressivo Radiohead e diz ouvir elementos progressivos em "Homogenic", de Björk. É o dado novo (e neo-retrô) no trabalho da banda, mas não o mais evidente, até porque a gana pela fuga da pureza é questão de honra para o Mundo Livre.
Há samba à Paulinho da Viola -a faixa mais samba-choro tem o provocativo título de "Ultrapassado", e é quase lounge. Há percussão baiana tipo Olodum, em "Bolo de Ameixa", que Caetano fase "Livro" podia ter inventado.
E há Jorge Ben, claro. "Maroca", da linhagem das canções de mangue que exaltam nomes femininos -houve antes "Risoflora" (da Nação Zumbi) e "Leonor"-, parodia as mulheres de Ben (Domingas, Domênica, Tereza, Bebete, Luciana), com todos os vocalises e prolongamentos de sílabas do fundador. E é drum'n'bass.
Mas, ainda que forrado de secas bateria e percussão, "Carnaval na Obra" é um disco de rock'n'roll brasileiro, sem medo das implicações que isso pode trazer. Peitar rock nacional a essa altura, com cavaquinho, pandeiro e percussão, significa que a complexidade, no país do axé, não é um bicho de sete cabeças. (PAS)

Disco: Carnaval na Obra
Grupo: Mundo Livre S.A.
Lançamento: Excelente/Abril Music
Quanto: R$ 18, em média




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